Na comemoração dos 70 anos da libertação de Auschwitz talvez nada, não se saindo daqui, seja tão evocativo como assistir-se ao "O último dos injustos", um documentário (três horas e quarenta minutos) da autoria de Claude Lanzmann que já havia realizado a enorme obra "Shoah" (nove horas, que vi em dvd e que causa uma funda impressão, quase nos esmagando com a enormidade da maldade nazi e do sofrimento judaico). Na altura em que filmou "Shoah", 1975, Lanzmann efectuou esta entrevista com Benjamin Murmelstein (1905-1989) que foi o último decano dos judeus do célebre gueto de Theresienstadt, a 80 quilómetros de Praga, na ex-Checoslováquia, a que juntou recentemente imagens actuais das ruínas do gueto.
Murmelstein, um judeu austríaco (homem de imensa cultura, enorme carisma, antigo rabino e professor universitário), é, ainda hoje uma figura muito controversa sobretudo nas discussões sobre ele travadas entre judeus (a ponto de Murmelstein nunca ter pisado o chão de Israel) e estudiosos do holocausto. Porquè? Porque muitos o consideram um colaboracionista por se ter prestado a ser um chefe do gueto em estreita ligação com os carrascos do povo judeu. Enquanto ele se defende e justifica invocando que conseguiu, mantendo o gueto, evitar que muitos milhares de judeus se tivessem juntado nos crematórios nazis aos seus patrícios assassinados. E usa como argumento importante em seu abono que, quando do final da guerra, se apresentou às autoridades checoslovacas para ser julgado pelos seus eventuais crimes, tendo sido absolvido e libertado. E na polémica (apesar de haver muitos judeus que defenderam que ele devia ter sido enforcado) , julgo muito difícil que alguém tenha uma frieza simplificada para decidir em pró ou contra.
O grande interesse desta peça, que apesar de longa se vê muito bem e quase sem se dar pelo tempo a passar, é, mais do que ser pró ou contra Murmelstein, rever a odisseia da perseguição aos judeus pelos nazis através dos relatos e análises do próprio Murmelstein, uma figura de um fascínio e fulgor impressionantes. O que resulta no grande e interessante paradoxo desta notável obra: uma das melhores análises ao holocausto, particularmente a enorme farsa cruel de Theresienstadt (ou Terezin, em checo) , é feita por um homem odiado por judeus radicais e acusado por muitos deles como colaboracionista maior.
O filme passa no Cinema Ideal (junto ao Largo de Camões, Lisboa).
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