Está ainda fresca a polémica desmedida sobre a preservação dos ornamentos vegetais evocativos da posse das antigas colónias portuguesas no jardim da Praça do Império e que estimativas camarárias colocavam num custo de manutenção de cem mil euros por ano. Como sempre que se fala de ultramar (como de salazar ou de outro arfar de 24A) saltam as faíscas furibundas da indignação da populaça nostálgica do Estado Velho e das suas possessões. E para colorir o furor não faltaram émulos de árbitros apitando para indicar o sacrilégio de se apagarem sinais históricos do passado a preservar. Que, sim senhor, havia que manter limpos e aparados os arbustos imperiais para que as gerações presentes e futuras não esqueçam a verdade histórica de que Portugal já teve império (e grande, do Minho até Timor). Isto dito a alardear a maior das independências, nada de esquerda ou direita, presumindo equidistância patrimonial e histórica. Como não podia faltar, fizeram os adeptos dos arbustos históricos em bom estado uma petição pública que, pelas assinaturas, foi fogacho pífio. Mas, enfim, a indignação soprou e deu assunto para umas cavaqueiras de café ou de facebook.
Naturalmente que a mim os arbustos coloniais não aquecem nem arrefecem. Como lá estiveram ou passados a máquina zero do aparador de relva. Para mais, em tempo de contenção de despesas. Aliás, em qualquer altura de finanças folgadas e outras prioridades atendidas, os ornamentos rapidamente ressurgem bem esverdeados à luz do sol de Belém. É que ao contrário do que o furor indignado fazia supor, aparar os desenhos do património colonial não é a mesma coisa que escaqueirar um bocado dos Jerónimos para fazer um acrescento de calçada. Por outro lado, e mais importante, quando vejo e oiço estes furores nostálgicos do passado histórico português, sentimentos que em princípio só ficam bem, não deixa de me vir logo à lembrança a antiga sede da PIDE transformada em condomínio de luxo, a carga de trabalhos que foi conseguir-se preservações pobretanas do Forte de Peniche e da Cadeia do Aljube. E a falta de iniciativas, e de indignações, para com inúmeros e vincados sinais e símbolos do fascismo e da resistência antifascista. Muitos destes símbolos e sinais que nunca mereceram consideração de preservação estão já irremediavelmente irrecuperáveis e não vão lá, como os arranjos vegetais de Belém, com aparadelas de jardineiros camarários. E, já que falamos de império, ultramar e colónias, que tal um memorial (podia ser perto ao dos combatentes da guerra colonial, podia) lembrando os escravos levados de África para o Brasil e exportados para outros sítios e evocando os nacionalistas africanos assassinados pelo exército colonial e pela PIDE?
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)