Escreveu Carlos Lopes em "O Mundo em Português" Nº60, Dez, 2005 (transcrito aqui):
“Ao longo dos anos foi-se verificando uma procura de África para negócios e actividades de curto prazo, mas menos interesse no advir, na cultura, no aprofundamento do conhecimento sobre a contemporaneidade. Era como se bastasse o que se sabia para manter uma relação que se foi desenhando como paternalista e, às vezes, interesseira.”
“Hoje a África está presente em Portugal através dos guetos, dos jovens desempregados ou desamparados, e de uma atitude pessimista desenvolvida a partir do desapontamento da evolução política recente do continente. Trata-se também de uma questão geracional. Mas a verdade é que as elites portuguesas perderam a paciência. E pode-se muito bem entender porquê.”
“O 25 de Abril não teria sido possível sem a conjugação da luta anti-fascista e anti-colonial. Antes – e logo depois de 1974 – as inspirações de uma boa parte da intelectualidade portuguesa, e dos movimentos políticos independentistas, tinham as mesmas raízes, os mesmos referenciais e a mesma esperança. À medida que foram surgindo os primeiros golpes, começou a haver uma retracção e um afastamento, logo transformado em fuga, para depois ser mesmo substituído por fustigação e ataque. Pobres africanos: esquecidos tornaram-se bravos – o instante de mostrar sua autonomia – para depois baixarem a cabeça e aceitarem mais um isolamento.”
“O discurso, esse evoluiu. Mudou para lusofonia, como que para não eliminar completamente o manto integrador anterior. Mas esse discurso tem limitações várias que Portugal também foi descobrindo – às vezes de forma áspera.”
“Se alguém me dissesse que em 2005 haveria mais europeus do leste que cabo-verdianos ou angolanos em Portugal, iria achar não só impossível mas mesmo inverosímil. No entanto, a dinâmica do mercado de trabalho, e as forcas centrífugas da União Europeia, acabaram por provocar isso mesmo: mais fluxo entre Kiev e Lisboa do que entre Bissau, Maputo e a capital do Tejo. Nunca poderia ter imaginado semelhante desenvolvimento, e em tão pouco tempo.”
“Para mim o mais espantoso na evolução de Portugal é a batalha demográfica. Ela vai obrigar a redefinir o que é ser português. Por imposições económicas, da segurança social, e de sobrevivência, Portugal vai ter de aceitar que precisa de emigrantes para sobreviver. E ao fazê-lo vai ter, de forma implícita ou explícita, que fazer escolhas de relacionamento. Esse é o verdadeiro teste da lusofonia para Portugal. Mas o problema está apenas equacionado. Amanhã poderá acontecer a Lisboa o que incendiou Paris.”
“O mundo tem vivido uma série de pequenas vinganças do velho Karl Marx, uma delas sendo que a primazia da economia sobre o resto acabou sendo imposta... pela globalização capitalista. Mas em outras frentes os marxistas enganaram-se, todos nos enganámos.”
“O Estado nação, definido como uma instituição de conformação unitária de língua, passado histórico, cultura, religião, e outras dominantes, faleceu. Tinha nascido com dificuldades. Muitas vezes a ideia de Nação foi construída a partir do Estado. Na maior parte dos países africanos a modernidade foi associada à construção do Estado nação. Em nome do nacionalismo se lutou pelas independências. Era assim normal que, ao analisar-se a realidade portuguesa se insistisse que se tratava até de um exemplo raro de confirmação de que poderia haver um Estado nação como definido teoricamente nos livros. Portugal continua a ser considerado, por muitos, como uma das mais velhas verdadeiras nações europeias.”
“Pelas suas características, sempre foi difícil para a intelectualidade portuguesa entender o que verdadeiramente se passava na África. O interesse tinha, pois, chances de ser seguido por desapontamento. E assim ficou um pouco suave de mais a ideia de que a proximidade cultural criada pela língua era um atractivo para relações especiais com os chamados Palop.”
“Foi-se a solidariedade de princípios, a cumplicidade revolucionária e, agora, também, o namoro lusófono. Com que se fica?”
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