A ideia da fraternidade internacional entre os trabalhadores nasce na primeira fase da estruturação dos movimentos operários. Formulou-se como resposta à constatação do egoísmo capitalista e da impossibilidade de lhe responder sectorial e nacionalmente. Se o “capitalismo não tem pátria” (fórmula simplificadora por tender a subestimar as contradições infra-capitalistas), como se constatava, como a podia ter as massas trabalhadoras, inferiorizados como estavam em meios de influência e de afirmação dos seus interesses específicos em luta insanável e sem tréguas com os exploradores? A formação da I Internacional (AIT – Associação Internacional de Trabalhadores), ainda no Século XIX, juntando as famílias socialistas e anarquistas, foi a primeira expressão orgânica desta necessidade e da sua percepção pelas elites operárias mais politizadas.
O projecto do internacionalismo proletário - arguto, ambicioso e utópico -, deu um novo impulso ao movimento operário, pela permuta de informações e experiências e pelas vias abertas à entreajuda de classe, mas comportava a lide com contradições insanáveis internas e eternas. Desde logo, a passagem da táctica e da estratégia da luta operária local e nacional para um nível supranacional implicava uma uniformidade ideológica e programática mínima impraticável porque tropeçava nas diferenciações profissionais, nacionais, culturais e níveis de politização (sobretudo no balanceamento entre os imediatos interesses corporativos e as obrigações de solidariedade). Depois, porque o caminho para uma praxis ambiciosa que tinha a elevadíssima pretensão de - com meios escassos e sujeita a uma repressão poderosa, brutal e organizada - unificar e coordenar o combate da “classe operária internacional”, não só implicava um safanão qualitativo na passagem da “consciência sindical” para a “consciência política” (ou, dito segundo os cânones – da consciência da “classe para si” para a consciência da “classe em si”) como introduzia a querela politicamente violenta sobre hegemonias e projectos diversificados no caminho para a idealizada sociedade sem exploração. Não foi necessário esperar muito tempo para que os conflitos mortíferos entre socialistas e anarquistas, suscitados com o surgimento e apuramento do marxismo, levasse á atrofia e à morte da I Internacional. Ainda no Século XIX, Marx arranca com a II Internacional, como meio unificador dos socialistas na via revolucionária rumo ao socialismo, sem lugar para os anarquistas e para os reformistas atávicos estagnados no cooperativismo e no mutualismo. O bolchevismo, no início do Século XX, reduzindo a via revolucionária à prática comunista, criando uma fractura insanável na família marxista, leva a uma nova cisão em que as famílias socialista e social-democrata se detêm com os restos da II Internacional e cria-se, em
Não é, pois, um caso de sucesso a história atribulada, com sucessivos e corrosivos abalos sectários, da tentativa de pôr de pé a fórmula “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”. Mas durou até à sua longa fase terminal, em que o “internacionalismo proletário”, com um espectacular efeito de retórica propagandista, se traduziu numa fórmula estreita de subordinação seguidista perante a hegemonia do “centro da revolução” (URSS / PCUS), género Estado Maior devendo-lhe obediência obrigatória os batalhões, as companhias e os pelotões revolucionários. Nesta última fase, a “Internacional Proletária” (externamente apresentada como não orgânica) criou a sua própria hierarquia para a acção revolucionária mundial, confluente aos interesses geoestratégicos soviéticos, desdobrando-se em três campos (aplicação do princípio orgânico sagrado do "centralismo democrático", em que o PCUS era o vértice da pirâmide - a "vanguarda máxima", com as massas oprimidas em ascenção para a "consciência de classe" e depois para a "consciência política" na base, tendo pelo meio várias camadas de "vanguardas intermédias"): primeiro nível – “campo socialista” (URSS mais “democracias populares”, onde os PC detinham a exclusividade do poder e eram obedientes ao PCUS, com transposição militar no "Pacto de Varsóvia"); segundo nível – a classe operária dos países capitalistas (ou seja, uma forma eufemística de designar os PC’s alinhados com o PCUS e que ainda não tinham conquistado o poder); terceiro e último nível – o “movimento de libertação nacional” (amálgama das movimentações nos “países atrasados” que, sob influência marxista mitigada e com algum grau de controlo e influência soviética, se demarcavam ou combatiam a influência do imperialismo americano). Foi assim até à implosão da União Soviética e da esmagadora maioria das “democracias populares”.
(continua)
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