Não estranhei ver os nomes de José Saramago e de Boaventura de Sousa Santos entre os «400 intelectuais» que assinaram uma declaração pró-ditadura cubana apresentada como denúncia antecipada de ingerências previstas. Confesso até que esperava pior, isto é: mais nomes (e igualmente sonantes)aqui da pátria lusitana.
Era mais que previsível que a actual crise política cubana, que é uma crise de pré-implosão interna devido à incapacidade da ditadura sobreviver à perda natural do ditador, despertasse entre os revolucionários romântico-libertadores, os da acção, os do coração e os do pensamento, uma antecipação da nostalgia pela eminência da queda de uma referência e um mito querido mais uma re-afirmação de fidelidades acumuladas. É coerência (revolucionária) dirão estes. E claro que o é. Mas também um justo pagamento por uma dívida que os revolucionários pró-Fidel, não cubanos, têm para com os últimos 47 anos da história de Cuba – conseguiram neste período de tempo, enquanto os cubanos sofreram a opressão e a penúria, manterem-se revolucionários noutras terras, noutras comodidades e, por vezes, usando variadas e amplas liberdades negadas ao povo cubano, por conta dos juros dos rendimentos da compensação utópica e mitificada das gestas de Che, Fidel, Raul e seus companheiros. E alguns deles, os mais sinceros na fidelidade revolucionária, os menos dispostos a traficarem opções livremente tomadas, terão conseguido manter a coerência e a fidelidade, não se inquietando com as contradições entre a formulação dos seus ideais e a prática política da ditadura cubana, simplesmente porque o alimento ao mito lhes ocupou todo o tempo, em nada sobrando para se questionarem nesta pergunta simples “Gostaria eu de viver na libertação cubana?”. Evitando ainda o previsível pesadelo para alguns entre os alguns, de saberem intimamente que a sua independência e rebeldia, que escolheram porem (mas fora da Ilha) ao serviço do apoio a Fidel, se exercida na ditadura cubana, partilhando as agruras dos cubanos e não se conformando com elas, lhes valeria, pela certa, o caminho da prisão em vez do direito a citação no “Granma”.
Os mitos de Fidel, de Che e da revolução cubana, desumanizados pelo reverso do desprezo pela (má) sorte dos cubanos, serviram a muitos, talvez demasiados, “revolucionários” espalhados pelo mundo a boa consciência compensadora da má consciência por não fazerem revolução em parte alguma. Assim, como podiam faltar as assinaturas de José Saramago e de Boaventura de Sousa Santos nesta hora de angústia revolucionária? Se Fidel Castro, ele próprio, para se prolongar no mando até que a lei da vida o vencesse, assinou, em seu tempo, o termo da abdicação dos ideias formulados na Sierra Maestra e na entrada em Havana pelo alinhamento incondicional com o puro e duro estalinismo soviético e que produziu, em tantos anos, alguns milhares de clones tropicais?
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