
O impacto noticioso, sobretudo via televisão, vive de sangue, morte, crime, drama, dor, vítimas (sobretudo se velhos, mulheres e crianças). Esta é a escolha do sensacionalismo e a culpa dos consumidores que querem isso mesmo – beber sangue, contemplar a morte, condenar os criminosos, chorar por vítimas na sede de muitas vítimas. Assim, o sensacionalismo casa-se com a morbidez sádica e autoflagelante dos públicos. A mistura, sob a lei das “shares”, dá nos noticiários que temos.
A sensação televisiva, muitas vezes, serve um dos contendores, sobrelevando as causas e as problemáticas. O lado que mostrar mais vítimas, mais sangue, mais dor, sobretudo mais crianças mortas ou a chorar, marca mais pontos. Muitos mais. É um lado perverso das tragédias. Mas incontornável.
No actual conflito no Médio Oriente, como no passado recente das inimizades sangrentas naquela e outras regiões, temos um exemplo repetidamente exposto da dualidade na exposição da dor mais os efeitos colaterais em termos de propaganda. Se um homem-bomba se fizer explodir num mercado de Telavive ou um rocket do Hezbollah cair em Haifa, a televisão mostra imagens normalmente “pouco interessantes” - perímetro de segurança imediatamente montado, ambulâncias a circular rápido, serviços de emergência médica a funcionarem com prontidão. Em Israel, não se perde tempo a expor as vítimas, é preciso levá-las de imediato ao hospital e, perante os doentes e os mortos, usa-se a descrição e o pudor do respeito perante a dor e a morte. Uma bomba israelita num prédio do Líbano, arrasta a desorientação, a anarquia, o caos, os choros prolongados pelas vítimas, a exposição demorada de corpos estilhaçados pelas bombas. E quantas vezes chega primeiro a manifestação convocada para repúdio e anúncio de vingança que as ambulâncias. Para o repórter de televisão, filmar num atentado em Israel, reduz-se a imagens fugazes e entrevistas aos responsáveis pela segurança e com médicos. Fraco, muito pobre, em termos de impacto de imagens. Numa bomba sobre Beirute, é o regabofe histérico de muitas, poderosas e chocantes imagens com sangue, dor e morte, repetidas até à exaustão. Comparando pelo efeito através da imagem, porque as vítimas não se comparam (elas são igualmente deploráveis, uma que seja, árabe ou judia), a modernidade israelita “vende” menos que o caos muçulmano. Mas também disto se fazem as guerras, a valorização das vítimas, a propaganda, as causas para os burgueses refastelados assistirem à guerra em directo. Lá longe, pela televisão, fácil é escolher a “causa boa” e a “causa má” - como contam as imagens, vendo para crer, contam as vítimas enquanto expostas e mediáticas, não as vítimas como vítimas.
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Adenda: O Manuel Correia deu-se ao trabalho inspirado de dar uma versão reversa deste post. Agradeço e recomendo a leitura. Sobretudo porque demonstra que a imaginação e a ideologia estão bem vivas. E vamos voltar a cruzar-nos em cavaqueira ainda sobre o mesma tema de fundo. "Aquilo" está para durar e, pelo já visto, os dois teimamos em "andar por aí".