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Sobre as mudanças no poder do Kremlin após a morte de Estaline, pouco se entenderá se não se tiver em conta a figura central, cínica e intelectualmente conspiradora de
Mikhail Suslov e autêntica eminência parda dos corredores entre o Secretariado e o Politburo do PCUS e durante várias décadas após 1953 e até à nomeação de Gorbatchov. Suslov era um burocrata sofisticado, dominando o marxismo-leninismo de cartilha neo-estalinista e que, criado na (ou pela) escola aparetchick estalinista, ajudou Krutchov no seu golpe contra Béria e depois continuado contra Molotov, construíu o golpe que depôs Krutchov e implantou a estagnação dos tempos de Brejnev, continuando a ser sempre, até ao seu desaparecimento físico, um dos homens mais influentes (e mais discretos) da direcção do PCUS onde detinha o pelouro da orientação e vigilância ideológica.
Pertence a Suslov grande parte do mérito da concepção do estalinismo sem Estaline, na teoria e na prática, depurando a iconografia dedicada ao Pai dos Povos mas mantendo todas as chaves de funcionamento partidário nos mesmíssimos cânones introduzidos por Estaline no PCUS (e que o transformaram numa sombra do seu funcionamento no tempo de Lenine e, após a morte deste, enquanto durou a luta pela sua sucessão e que culminou no poder absoluto concentrado nas mãos do antigo seminarista georgiano).
Suslov, na prática um dos homens mais influentes do Kremlin desde a década de 50 à década de 80, era um grande admirador e protector de Álvaro Cunhal e o principal portal de garantia da amizade eterna PCUS/PCP, tendo-o condecorado com a Ordem da Estrela Vermelha (a mais alta condecoração soviética atribuída a cidadãos estrangeiros) e concedendo-lhe o cognome honorífico e relevante de marxista de cristal (o que, na linguagem de madeira do PCUS só poderia traduzir elogio indubitável a um dirigente comunista capaz de construir e dirigir um partido estalinista da cabeça aos pés com talento de brilho na camuflagem e sem necessidade de uma única referência elogiosa a Estaline e se necessário com uma referência de circunstância e de passagem aos seus erros e desvios para cumprir a praxe e calar os adversários).
Dado que Suslov era sobretudo um poderosíssimo homem da sombra - organizador de bastidores e um conspirador nato - com a auto-missão de nunca permitir que o legado de Estaline se perdesse (negando o que, por propaganda, se tivesse de negar), a sua figura, apesar da importância crucial que teve no período pós-Estaline e com apogéu no consulado de Brejnev, ainda é relativamente pouco conhecida e tratada pelos politólogos e historiadores. Para o caso português,difícil será entender a essência e a profundidade da dependência do PCP relativamente ao PCUS (enquanto este existiu) e a constância e fortaleza do apreço do PCUS por Cunhal e pelo PCP, bem como o papel instrumental de confiança que Suslov atribuíu ao PCP na fidelização do Movimento Comunista Internacional e no combate às forças centrípetas que por lá afloravam, as suas motivações e os canais, formas e áreas em que tudo isto se verificou, sem que se conheça algo mais e de mais revelador sobre os laços políticos que sustentaram a longa amizade pessoal e ideológica que uniu Suslov e Cunhal. Provavelmente, muito de revelador ainda dorme nos arquivos do PCUS em Moscovo porque, sabe-se, os burocratas aparelhistas tinham o gosto maníaco de sobre tudo fazerem actas, tirarem apontamentos e elaborarem notas. Resta que Putin recue, se recuar, nas suas ordens de regressão no acesso aos arquivos do período soviético por parte dos historiadores.
Na imagem: Suslov acena às massas ao lado de Brejnev e quando este ainda vivia a sua fase pré-senil.