Como disse, passei o último fim-de-semana armado em
congressista no
2º Congresso de Pampilhosa da Serra (*) (Beira interior, distrito de Coimbra). Não sendo filho da Serra do Açor, apenas um seu genro (daqueles que, por lá, chamam de achadiço), por ali tenho sido tão bem tratado, apaparicado mesmo, que me sinto lá como em casa minha. E já disse um dia que, sendo um vadio evadido da Serra do Marão, no Açor me sinto com aconchego de serrania como um puto a mamar em teta generosamente cedida para compensar mãe-serra distante e relapsa a aconchego de colo.
O concelho da Pampilhosa da Serra está na lista dos concelhos críticos pela interioridade que ficou fora das rotas das grandes vias de comunicação. Com uma enorme extensão, dispersa por mais de uma centena de localidades, macrocéfala na sua pequenez em habitantes (metade dos 5.000 habitantes, vivem na sede do concelho), zona de floresta flagelada constantemente pelos incêndios estivais e pelo avanço do matagal, despovoada e envelhecida (metade dos residentes são pensionistas), com a maioria da população activa ao serviço da Câmara e da Santa Casa da Misericórdia (em termos privados, realce apenas para alguma construção civil e algum trabalho florestal), carente de jovens, meninos e meninas (a população escolar em redução drástica e próxima da centena e meia), culturalmente dominada pela resignação e pessimismo católico, no último lugar da lista do sucesso e aproveitamento escolar, o concelho vive uma fase de declínio a ameaçar o não retorno.
E, no entanto, Pampilhosa da Serra tem enormes potenciais e um notável vigor de instinto de sobrevivência. Desde logo, Pampilhosa da Serra tem generosos recursos. Primeiro que tudo, as suas gentes. Que ali são de trabalho, cordatas, educadas, hospitaleiras e com inesgotável património oralizado através de lendas, narrativas e fantasias (a agrura e a dureza de vida, aliadas ao enquadramento paisagístico mais os odores da floresta e da mata, desenvolveu-lhes um infindável gosto pelo conversar e contar, transformando a imaginação e os medos em fantasia poética). Depois, tem belezas naturais excepcionais (serra e água) com a vantagem que resulta da desvantagem do atraso e do isolamento quase tudo está em bruto e por explorar, aberto à descoberta. E, apesar do flagelo dos fogos, a sua floresta vai-se fechando nos seus tesouros abandonados, cada vez mais escondidos, mas que esperam colheita. Para mais, apresenta uma base de suporte energético limpo cursos de água abundantes, vento, larga exposição solar e matéria para biomassa.
O turismo de serra e água tem ali um imenso potencial atractivo. A floresta ali está para fins bem mais nobres que arder no verão. Mas falta a Pampilhosa da Serra, o principal recurso que é o que faz andar o mundo gente. Hoje, foi já ultrapassado o ponto crítico de bloqueio de uma herança de abandono não há gente porque não havia empregos, não há empregos porque não há gente para empregar. E a natalidade atingiu um ponto tão baixo que não é possível, com a população residente, impedir o despovoamento a tender para se transformar num local de sobrevivência dos inactivos que demoram a morrer.
O Congresso, que reuniu 300 pessoas, foi um grito de alerta, de levantamento de soluções e de apelo de concentração de energias para que se evite que o concelho morra. Verdade que foi um grito a soar um pouco a túmulo de um pedaço de País, mas ainda com o vigor do instinto de sobrevivência a puxar pela imaginação e pela vontade de manter o País inteiro e solidário. Ideias, imaginação, projectos esboçados, não faltaram porque aquilo é gente contaminada pelos apelos trazidos pelo vento serrano de convite a conservarem-se terras e gentes. E a serranos daqueles, é difícil vergar-lhes a teimosia de andarem em passo largo. Vem-lhes do hábito das longas caminhadas, serra acima e serra abaixo. Acredito que vão sobreviver porque não se irá permitir que esburaquem mais este País já de si tão encolhido. Oxalá encontrem quem lá invista e quem os ajude a renovar o tecido humano.
(*) O nome de Pampilhosa provêm dos abundantes pampilhos existentes nas suas serranias e que é nome dado aos malmequeres selvagens. E chama-se Pampilhosa da Serra para a distinguir de outra localidade chamada Pampilhosa do Botão. Mesmo assim, frequentemente, há quem confunda as duas localidades.