Quarta-feira, 27 de Abril de 2005

SOBRE CAUSA E EFEITO (1)

r3322428623[1].jpg

Alguma glorificação do 25 de Abril não evita um certo paternalismo relativamente aos países africanos que, em 1974, eram colónias portuguesas. Diz-se que foi a queda do fascismo português que permitiu (ou provocou) as independências em África pelo chamado efeito dominó. Ou seja, por portas travessas, o eurocentrismo funciona em algumas cabeças anti-fascistas, tomando-se a conquista da liberdade como património branco.

Obviamente que a queda do fascismo acelerou o processo independentista africano, sobretudo porque incapacitou a potência colonial, desde logo em poder e motivação militares e sustentação na retaguarda metropolitana, para prolongar mais as guerras coloniais. Como não podia deixar de ser, dado que o colonialismo, desde o início da década de sessenta, se fundira no regime de forma tal que fascismo e colonialismo já não podiam viver um sem o outro. Caído um, cairia o outro, enleados que estavam num beijo de vida ou de morte.

Mas, se nos dois fenómenos, o verso e o reverso da ditadura, se quiser encontrar causa e efeito, então a verdade histórica manda que se diga que foi a luta anticolonial, mais a impossibilidade de vencer as guerras coloniais, que possibilitaram, ou determinaram, a queda do fascismo. Foi em 1974, poderia ter sido antes ou depois. Mas o projecto de resolver o problema colonial pelas armas levou a que o desenlace se desse mais tarde ou mais cedo. E, por isso mesmo, é que foram as armas de um exército transformado em exército colonial, comandadas por oficiais incapacitados de continuarem a fazer uma guerra sem vitória possível, que os levou a tomarem o Quartel do Carmo. Se o “25 A” tivesse sido mais cedo, ter-se-iam poupado uns milhares de mortos (portugueses e africanos). Se fosse em data mais tardia, mais mortes inúteis seriam acumuladas no rol da aventura africana.

Guiné estava perdida há muito. Angola demoraria ainda (e isso, fundamentalmente, pelas dificuldades endógenas aos movimentos de libertação angolanos) mas lá iria (e com um preço elevadíssimo em destruição e morte). Quanto a Moçambique, prefiro que fale quem lá nasceu e viveu: “Há quem vincule a mesma [a data de 25 de Abril] à independência das agora ex-colónias portuguesas, como se esta Revolução dos Cravos fosse a responsável pela diminuição do território português. Falo agora de Moçambique especificamente. Alguém ainda duvida que mesmo que não tivesse havido o 25 de Abril em 1974, que Moçambique não haveria ainda assim atingido a sua independência política? Alguém duvida que a Frelimo vinha cada vez mais tomando espaços e vitórias estratégicas em relação à tropa e ao estado português? Só por birra é que se pode continuar vinculando os dois factos. O que se pode vincular é que com o 25 de Abril em 1974 evitou-se alguns tiros entre moçambicanos e portugueses por uma guerra onde politicamente e nas mesas dos estrategistas de guerra dos dois lados já se sabia quem sairia vitorioso.”.

Por justiça, os antifascistas não podem esquecer que ao anticolonialismo devemos todos o fim do fascismo. O mérito não deve ser nem arbitrário nem apropriado.









Publicado por João Tunes às 13:14
Link do post | Comentar
5 comentários:
De Joo a 27 de Abril de 2005
Quanto ao que diz da "refeição", cara th, concordo inteiramente. Quanto à questão de fundo, tenho opinião (sujeita a aferição) diferente da sua. Não me parece nada a questão da "galinha" e do "ovo". Isto é, se a guerra colonial não fosse travada pelos movimentos de libertação da forma como foi (na Guiné e em Moçambique, com sucesso estratégico, de mobilização e com resultados militares palpáveis), de certeza que o fascismo duraria bastante mais e as forças armadas não teriam um papel central e talvez até alinhassem ao lado do regime. Era limitada a capacidade da resistência antifascista para fazer face ao fascismo luso (com poderosos aliados internacionais, no contexto da guerra fria). Até internamente, a mobilização antifascista conseguida (mas insuficiente para derrubar o regime) deveu muito âo medo e recusa de sectores da juventude perante a guerra colonial. E como Salazar morreu quando a morte o visitou depois do acidente da cadeira, talvez Marcelo tivesse morrido doente e na cama ou passado a pasta a um "Adolfo Suarez à portuguesa" . Como Franco em Espanha e que encontrou ainda formas (através do Rei, e não só) de o franquismo passar tranquilo através da "transição", evitando roturas revolucionárias. Aqui, a rotura não só foi revolucionária e antecipada à capacidade popular de libertar o País do fascismo, porque as FA entraram em força no processo de rotura e isso porque os oficiais não suportavem mais a guerra colonial onde ela fazia mais mossa. Pensando nisto, não posso deixar de concluir que o factor determinante para o 25A foi a guerra colonial, pelo impacto da luta anticolonial onde ela foi mais eficaz (na altura: Guiné e Moçambique). Entretanto, julgo que o anti-fascismo "metropolitano" (embora tenha ajudado o movimento anti-colonial), "civil" se perdoar a força de expressão, não teve e não tinha capacidade para impôr uma solução ao problema colonial. Assim, julgo que é justo reconhecer que devemos aos movimentos de libertação anti-colonial (designadamente ao PAIGC e à Frelimo) terem desgastado de tal forma as Forças Armadas que as empurraram para o antifascismo e para a Revolução. O seu a seu dono. Aberto, como sempre, a contra-argumentos, leve daqui um abraço, cara th, mais um obrigado pelo seu contributo.
De th a 27 de Abril de 2005
vocês não andarão à procura da resposta para a velha questão: "quem apareceu primeiro...a galinha ou o ovo?". Certo, certo, uns dirão que foi a galinha, outros o ovo...quanto a mim em algum lugar apareceu um, noutro lugar apareceu o outro...mas que deu uma bela "refeição"...lá isso deu, com algumas "indigestões pelo meio, como era de esperar, que o fim de uma boa refeição nem sempre é bem conseguido!
De IO a 27 de Abril de 2005
......... não disse que a cátedra era moçambicana, que eu saiba, a guerra colonial teve três frentes...... muito menos, entendo a tua reacção..... abraço, IO.
De Joo a 27 de Abril de 2005
Por questão de rigor: eu não falei de Moçambique, eu falei do 25A. E falando do 25A, falei em Moçambique (melhor: transcrevi a fala do ZP sobre Moçambique) como falei em Angola e na Guiné. Eu não sou moçambicano, por isso não sou nem quero ser etno-moçambicano (ou seja, com o mundo visto com olhos cheios de kanimambo, com o devido respeito pelo kanimambo). Quanto à frase citada de Machel, não sei não, embora lhe entenda o sentido político-propagandístico que é de bom efeito. Para os "capitães de Abril", a guerra colonial, mais que "universidade" (considerando que universidade é sítio próprio para evitar a estupidez, quando vemos tanto académico estúpido...), não terá sido antes o acumular acima do limite do medo da morgue e do pânico dos perdedores? (é que, convém não esquecer, os militares antifascistas e anticolonialistas precisaram, modo geral, da terceira comissão para serem antifascistas e anticolonialistas, antes disso até vestiram o patriotismo da missão). E, curiosamente, mas dando que pensar, a consciência mais desesperada (e mais consequente e impaciente, pois então) entre os militares profissionais do exército colonial, depois MFA, eram (por acaso?) os que estavam na Guiné e em Moçambique (onde estavam as castanhas mais quentes). E menos, muito menos, em Angola, em Cabo Verde, em Timor e em Macau. Para não falar nos sítios onde não houve guerra, porque é que Angola foi "menos universidade" que a Guiné e Moçambique? E, nestas "duas universidades" porque é que a Guiné deu mais "mestrados" e "doutoramenos"? Aqui deixo apenas tópicos para uma discussão que me interessa se houver outros interessados. Abraços, ZP e IO.
De IO a 27 de Abril de 2005
Falaste de Moçambique e fizeste-me lembrar uma frase, de então, do Presidente Samora Machel: "A guerra colonial foi a universidade dos capitães de Abril". Já fui dar um abraço ao ZP, deixo outro para ti, IO.

Comentar post

j.tunes@sapo.pt


. 4 seguidores

Pesquisar neste blog

Maio 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

Posts recentes

Nas cavernas da arqueolog...

O eterno Rossellini.

Um esforço desamparado

Pelas entranhas pútridas ...

O hino

Sartre & Beauvoir, Beauvo...

Os últimos anos de Sartre...

Muito talento em obra pós...

Feminismo e livros

Viajando pela agonia do c...

Arquivos

Maio 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Junho 2013

Março 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Junho 2012

Maio 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Junho 2006

Maio 2006

Abril 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Dezembro 2004

Novembro 2004

Outubro 2004

Setembro 2004

Agosto 2004

Julho 2004

Junho 2004

Maio 2004

Abril 2004

Março 2004

Fevereiro 2004

Links:

blogs SAPO