Manda a isenção que se diga que Cavaco, ao dizer a parvoíce que disse, repetiu o que Jorge Sampaio havia dito quando do Euro 2004. E Sampaio não era parvo. Falava era demais e dizia de menos. E isso quando dizia alguma coisa. O que raramente aconteceu. Já Cavaco não tem fama, nem mérito, de orador compulsivo e gongórico. Tem até fama de “fazedor” e de “terra a terra”, fala com a boca cheia de comida, tem mais cultura de empreiteiro de obras e de contabilista que o verniz bem acabado do Sampaio melómano, com traquejos de alta advocacia e de jogador de golf, no seu estilo de “british” enfastiado com tiques maníacos pela oratória redonda. Nem sequer a Maria Cavaco tem a mesma compostura da elegância hirta e longa da Dona Zé.
Então, o que terá levado Cavaco a imitar agora Sampaio? Avanço duas hipóteses concomitantes – Cavaco dá-se melhor com o PS (este, o de Sócrates) que Sampaio e quer ajudá-lo a puxar a carroça do “Centrão”; o irresistível “efeito Scolari”.
A primeira hipótese nem sequer necessita de demonstração. Quanto a Scolari, mestre em populismo, mais mestre nisso que em artes de futebol, ele teve a alta visão estratégica de estudar e afunilar os piores dos defeitos portugueses e a forma de nos explorar o sentimentalismo fadista-fatimista e os nossos apetites pelas vãs glórias e persistentes decepções. Percebendo que somos uma tribo de maníaco-depressivos com picos de euforia grandiloquente, arreigados na resistência à modernidade. E soube nivelar-nos por baixo, impondo a grandeza quantitativa e festiva, na nossa afeição à pequenez, capazes de sublimar num rectângulo de relva a compensação dos males e dos atavismos, regressando, depois e ordeiramente, à vida dura e mal paga, mas a dizermos mal do Estado e dos políticos. Agora, estamos na fase histérica do “patriotismo de bandeira”, é escusado contrariar-nos.
Portugal, neste Mundial, não tem equipa, não tem jogo, não vale um caracol. Ou seja, não é “competitiva”. Vive de uns laivos de inspirações momentâneas, tem tido uma sorte do caraças, sobrevive pela cobardia do anti-jogo e da bola para trás e para o lado. Se este povo gostasse mais de futebol que “da Selecção”, já tinha arreado as bandeiras das janelas, varandas, estendais e pópós. Mas ganhámos, ficámos em primeiro na série e vamos aos oitavos, com o prémio extra de evitarmos a Argentina. Se os holandeses estiverem em domingo não, mais á frente nos chegaremos. Até que a sorte proteja quem melhor joga futebol, o que, por vezes, também acontece. Entretanto, não nos roubam o patriotismo, a bandeira, a valorização do desenrascanço e do “interessa é ganhar”, Scolari, Sócrates e Cavaco, nossos líderes portuguesíssimos da mediocridade satisfeita. A ressaca fica para depois.
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