Domingo, 26 de Setembro de 2004

NILO E SINAI (30)

Egipto 1323.JPG

Terminada a primeira parte do programa, havia que rumar do Cairo para Sharm el Sheik, no extremo sul da Península do Sinai e na confluência dos golfos que se ligam ao Mar Vermelho, passando de África para a Ásia, na linha do Canal do Suez. Quinhentos quilómetros feitos de autocarro com vista para o recorte da costa ocidental da Península.

Também foi o adeus ao Nilo, ao deserto plano, às marcas de civilização milenar e à megacapital do Egipto. O Cairo deixara marcas agradáveis de recordação de uma cidade de muito mas digerível bulício, caótica mas agradável, moderna e o seu excelente e bem recheado Museu tinha proporcionado a vista fascinante dos interiores da sua extraordinária civilização, permitindo fruir a parte gémea das marcas vistas desde Assuão até Gizé. Lá, num Museu em que a demora de um minuto de apreciação de cada peça acarretaria que a visita demorasse nove meses, depositam-se os sinais de representação simbólica e estética de uma civilização num recuo de cinco mil anos na marcha do poder dos homens. Super star do Museu do Cairo é o recheio do túmulo de Tutankhamon, a parte mais visitada e mais célebre em todo o mundo. Este Faraó terá sido dos mais insignificantes em poder efectivo e em tempo de reinado. Faraó aos nove anos de idade, morreu aos dezoito e o mais importante que terá decidido foi mudar de nome – de Tutankhaton para Tutankhamon (afastando-se da tentativa monoteísta do seu antecessor de declarar Aton como deus único), o que, mesmo assim, não deve ter-se devido a algo mais que a pressão dos sacerdotes nada felizes com a simplificação das adorações. Tão insignificante foi o hoje celebérrimo Tutankhamon que o seu nome não consta nas listas reais egípcias e nem o túmulo (muito pequeno) que o recolheu no Vale dos Reis em Luxor lhe estava destinado (seria para uso de um alto funcionário – Ali – que vindo a tornar-se depois Faraó resolveu trocar a sepultura, julgando-se que em malandrice adicional à do envenenamento do jovem Tutankhamon). Tão insignificante era Tutankhamon e o seu túmulo, mais a ausência de referências na lista dos reis, que os saques sistemáticos, milénios fora, que limparam praticamente os recheios de todos os túmulos no Vale dos Reis, que o seu ficou ignorado e coberto pelas areias descarregadas sobre ele na procura dos túmulos mais valiosos. Só em 1922, por sorte, um arqueólogo consegue a proeza de encontrar o túmulo intacto e esquecido de Tutankhamon. O recheio impressionante de riqueza e de valor incalculável do túmulo de Tutankhamon serve sobretudo para permitir que a imaginação se solte no cálculo de como seriam os túmulos muito maiores de Faraós de grande importância (por exemplo, Ramsés II que reinou sessenta anos e com túmulo de enormes dimensões e com múltiplas câmaras e com decorações requintadas). Afinal, o saque e a sorte também podem servir para tornar o mais insignificante dos actores do poder em estrela da companhia.

A travessia do também célebre Canal do Suez foi pouco mais simbólica dado que se processou através de um túnel construído no fundo do Canal. Quando muito, serviu para confirmar que ele é estreito, tão curta no tempo foi a sua passagem. Retomado o contacto com a paisagem, o comboio pegado de navios em fila indiana a rumarem ao Mar Vermelho permitiu prever o intenso tráfego do Canal e calcular como serão importantes as receitas do mesmo para o cofre do orçamento do Egipto.

Descendo a costa ocidental da Península do Sinai, marginando o Golfo do Suez, o espectáculo muda de cenário e oferece-nos uma visão profundamente emotiva entalada entre a visão do azul magnífico do Mar Vermelho e a imponência do Deserto do Sinai todo constituído por altíssimas, inóspitas e rochosas montanhas de intensa luminosidade avermelhada (foi essa luminosidade que inspirou o baptismo de um Mar profundamente azul). Outro Egipto, ali. Rico em petróleo e em gás natural vê-se pelos sinais das explorações (sobretudo off-shore) em actividade. O que ajudou a entender como são diversificadas as fontes de riqueza do Egipto dos nossos dias. Fosse a riqueza melhor distribuída, houvesse democracia e liberdade, fosse o Islão capaz de se incorporar na modernidade e estivesse afastada a ameaça do fundamentalismo islâmico, os egípcios teriam boas razões para se alegrarem por ali terem nascido.

A chegada a Sharm el Sheik serviu também para desfazer o grupo excursionista que havia criado afinidades naquela semana de férias. A maioria terminava a visita egípcia ali e regressaria a Lisboa em voo directo, pouco tempo depois da chegada à estância balnear mais célebre daquelas paragens. A nós e a alguns outros, sobrava mais uma semana egípcia, agora dedicada mais ao relax que à cultura.

(Foto de Pedro Tunes)











Publicado por João Tunes às 14:47
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