
Segundo leio no
Expresso, uma delegação da fracção dirigente do PCP foi (ou vai) visitar Cunhal para ouvir a sua opinião sobre o processo de sucessão na Secretaria Geral. Tudo o que segue, é escrito no pressuposto de que houve boa informação no tratamento da notícia. E que descansem eventuais pressurosos em adivinhar profanação do respeito devido aos idosos, porque não há risco de repetição de tecla.
Nada a apontar no acto de consulta ou conselho. Apesar da idade avançada do conselheiro e este estar a padecer de muita doença (que, inclusive, o impediu de exercer o direito de voto nas últimas eleições, o que, não fosse o caso de a sua saúde estar fortemente abalada, de certeza não aconteceria). Admito que Cunhal ainda tenha capacidades e informações para dar a sua opinião. E que, assim, ela deva ser recolhida.
Mas, conhecidos que são os rituais da escola e da prática da facção dirigente (alimentada e instalada pelo próprio Cunhal), não é escandaloso supor que a
visita a Cunhal seja um expediente de legitimação e utilização apologética da solução que já terá sido cozinhada no seio da
fracção bolchevique. Ou seja, obter-lhe uma
ratificação, nada difícil nas condições de isolamento em que é forçado a viver, para a usar como elemento de influência para dentro do partido. Porque, enquanto Cunhal estiver vivo, por muito debilitado que esteja, o trunfo
esta é a opinião do camarada Álvaro pesará sempre num partido em que o subtil (mas super-eficaz) culto da personalidade está entranhado até à medula. E, nesta fase, uma opinião apresentada como vinda daquele antigo dirigente, tem ainda a carga suplementar de ser um
testamento político que, culturalmente, tem um enorme peso indutor de
respeito. A ser assim, a propalada
decisão do colectivo valeria pó perante o peso de uma
visita, fazendo lembrar o que ocorreu no período soviético entre 1922 e 1924, com Lenine doente e muito diminuído, em que se sucediam as
visitas a este dirigente para que uma ou outra fracção tentasse ganhar pontos no processo sucessório.
Pode parecer um cenário demasiado maquiavélico. Mas não seria a primeira vez que tais processos são utilizados na casa. E toda a técnica do
centralismo democrático permite a apetência e a eficácia destes recursos. O
centro tem sempre um catálogo de sofismas para boa escolha. E uma atracção irresistível por copiar processos, métodos e rituais da história das práticas de referência.