
Faz-me confusão a frequência com que se cristalizam embirrações, fulanizando-se as mesmas, com clímax de síntese, num
bode expiatório, justificativo de males que só podem ser mais vastos que o poder do tal fulano que saiu na rifa.
Há dois anos atrás, entre nós, a Justiça parecia andar de melhoras em melhoras. Era até um das instituições mais resguardadas da crítica pública. Quando muito, condenava-se o arcaísmo dos meios e a míngua com que os Orçamentos de Estado lhe distribuíam verbas. Um caso houve, António Costa, em que o político que ali ministrou foi largamente elogiado pela modernização reformista que lhe imprimiu. A Justiça era a instituição pilar do regime mais resguardada da suspeita e que melhor passava no exame da opinião da cidadania.
Até que apareceu o processo da Casa Pia e meteu poderosos. Então, num ápice, a Justiça passou a ser a mais atacada das instituições. De repente, os juízes deixaram de prestar, vieram as suspeitas de cabalas, o segredo de justiça deu direito a rios de tinta, comentaram-se excessos prisionais e de aplicação da prisão preventiva, o Procurador Geral da República levou (e leva) tratos de polé e até gente de compostas maneiras o passou a tratar de gato constipado, quase nada ficou com direito à dignidade mínima de existir sem suspeita. Da Justiça, salvou-se a advocacia e os comentadores do múnus judicial, olé.
No meio da bernarda e do chinfrim, os poderosos arguidos regressaram à liberdade enquanto aguardam julgamento, escrevem livros, dão entrevistas e retomaram a vida social. Só lá pena o Bibi de baixa condição social. E as coisas acalmaram.
Acalmaram é como quem diz. Ainda haverá julgamento. Tudo leva a crer que sim.
Mas sobrou o Procurador. Que continua a ser zurzido pelo que diz e pelo que não diz. Come por estar calado porque devia falar. Come por falar porque mais devia estar calado. O homem parece não acertar uma. Donde se pode concluir que, a julgar pela forma como o apedrejam, quem o nomeou acertou em cheio num tonto sem o mínimo de capacidade e de senso, um autêntico artolas.
E os abusados? Esquece. Quais abusados? Pedofilia? Nem pensar que seja coisa de gente respeitável e que tão mal tratada foi pelo miserável aparelho policial-judicial que temos. Os arguidos (excepto o Bibi, esse sim, um miserável perverso) passaram a vítimas.
Venha o fim do julgamento para ver se as coisas serenam. Depois, tudo restabelecido na devida ordem, é tempo de termos Procurador que não seja bombo de festa. Voltando a ter boa justiça.