Nem sempre, ou quase nunca, a política tem os ponteiros combinados com o relógio da história. Umas vezes, o que devia vir antes vem tarde, noutras, o que merecia esperar um pouco dá um trambolhão e cai cama abaixo. É assim. Não há determinismo que valha. Porque há ontens que cantam e amanhãs que preguiçam ou ficam afónicas.
A ditadura na Indonésia caiu passado pouco tempo do “problema Timor”. Talvez, até, as barbaridades indonésias em Timor tenham acelerado a degradação e queda da dinastia Shuarto. Foi assim. Mas o país Timor Leste existe por causa da ditadura na Indonésia. Mais por isso que pela nossa choradeira sentimental. Quando a ditadura indonésia caiu na carnificina, deu-se um entorse na pata sobre Timor e, em dominó (rebentando outras contradições), a ditadura tornou-se insustentável e o mundo foi surpreendido com o regresso da Indonésia à democracia. O paradoxo histórico destes encontros e desencontros é que do colapso da ditadura indonésia resultaram um grande país no reencontro com a democracia (Indonésia) e um país (se calhar) artificial, inviável e exótico (Timor Leste) que “sobrou” da ditadura caída. Estivesse o relógio da política acertado com o relógio da história e, provavelmente, teríamos hoje os timorenses a baterem-se, apenas e em sossego, como os catalães perante Madrid, por um estatuto autonómico condigno no quadro do Estado multi-étnico e multi-cultural da Indonésia. Em democracia, talvez consolidada.
Entretanto, surgiram interesses poderosos que se impuseram e impulsionaram a via aberta pelo sentimentalismo português pró-Timor (o celebérimo e bem chorado “AI TIMOR”) – a gula pelo petróleo timorense, os interesses da Austrália e o Vaticano a querer consolidar uma “fortaleza católica” encravada dentro de um dos estados muçulmanos mais populosos.
Agora, a Indonésia, o antigo opressor genocida, limpa as mãos e limita-se a fechar as suas fronteiras com Timor Leste (“amanhem-se”…). Austrália e Vaticano não desistem dos seus intuitos hegemónicos. Portugal voltou ao sentimentalismo serôdio da saudade colonial. Sem se olhar para os relógios político e histórico. Pois, o nosso problema é a incompetência dos nossos relojoeiros. Que, bem vistas as coisas, somos todos nós, que gostamos mais de chorar e de rezar que pensar e resolver e quando não vamos “lá” com fados e missas, chamamos um pai-protector ou mandamos a GNR.
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