Bem sei que o calendário tem o direito à sua privada ditadura que, as mais das vezes, troca-nos a volta às vontades, sobretudo quando estas desalinham com os costumes.
Claro que sei, vou sabendo, que primeiro está a dos deputados e governo, depois os senhores autarcas e só então nos ocuparemos do condómino para Belém.
E tenho cultura política (toma!) mais que suficiente (iá, meu!) para entender os malefícios de baralhar a escrita politóloga, misturando os ovos no cesto e os nefandos riscos da omelete mal frita que daí possa sair.
Mas como demasiado siso pode matar o saudável hábito do riso, e para o siso há gente que sobre para burilar tal ministério, tantas vezes confundido com mistério, nada como o escape hedonista de fugir do circunspecto próprio desta época de destinar. Mas, claro, com desatino que tenha tino.
Certo que a lusa blogosfera já é uma quase venerável instituição da nossa pública opinião. Tem estatuto, pedigree, livros publicados, audiências mais que muitas, referências várias, às vezes impacto e ressonância para as boas sentenças. Rapidamente saiu do underground e navega pela superfície, marcando pontos alternativos. Volta e meia, até entra nas galerias do
diz-se.
Mas o virtual é plástico. Ainda bem. Porque, ao contrário, cibernar seria mais que chato. Podemos, então, virar o calendário de pantanas, ou o que seja e der nas ganas. Essa é a marca do seu potencial de irreverência. Ou de liberdade rebelde (ena, pá!), se preferirem.
Anda tudo muito ocupado com os ilustres deputados da próxima investidura. Eu também. Tanto que, por cada dia que passa, aumenta o meu desgosto com a minha opção desgostada armada em útil. É que o Sócrates não falha uma para envinagrar-me o voto, fazendo-me correr o risco de, no dia do voto, estar de molho a lidar com as cólicas.
Mas deputados, governos, autarquias, são misteres que metem partidos, aparelhos, alianças, estratégias, orçamentos, impostos, coisas solenes e outras ainda mais. E sendo assim, acho que não casam bem com as Cataratas do bloganço. Aqui, o melhor é a prosa, a imagem às vezes. Sobretudo, o talento do flash. Mais do que aquilo que se defende, vale como se defende, ou se estende. Digamos que a blogosfera é reino de faíscas, os incêndios são noutro lado (não me perguntem qual). No meu entender e fruir, fique claro.
Aqui, a nobreza é a prosa. Sobretudo a que brota das pistoladas à queima roupa. Cada um mostrando quanto quer e o mais que pode na medida da sua lata narcisista. De peito feito ou com armadura vestida. Com pomba ou falcão na mão, às vezes de mãos nuas a acenar no deserto.
Tudo para dizer que acho que as presidenciais, apesar da demora, são as que mais se ajustam ao figurino da blogo-poda. E acontece que os perfilados parecem figuras de cera made in Madame Tussaud. Escolher entre Guterres e Cavaco, ou mesmo que venha o Marcelo, mais o Freitas, o Jerónimo, o Rosas e o Monteiro, ainda outros que tais, é uma regressão para a era da estearina (sim, aquela coisa de que se fazem as velas). Nenhum é solto, nenhum prosa em condições, nenhum é livre (na imaginação) o suficiente para merecer a estima da blogoliberdade. E se quem prosa, perde o sentido da exigência, adeus minhas encomendas. Então não adianta, mais vale fechar o blogue e ir comer tremoços.
Se a ambição é a medida da nossa alma, sejamos exigentes. Entre malta da prosa, exigente até nas nossas falhas de suficiência, há que dar corpo à ideia revolucionária (!!!) de meter um prosador em Belém. Um bom prosador, claro. Alguém que, longe de nos envergonhar, nos dê gosto no prazer de o eleger, mandatando-o para disparar posts em vez de discursos, inquietações, dúvidas e contradições, no lugar das sentenças assertivas sobre as vergonhas e os êxitos da nação. Que meta o humor no lugar da cerimónia gongórica. Um, ou uma, que leve para ali o sentir e o olhar, a seiva dos comuns e dos incomuns, a memória fazendo futuro, as palavras atiradas ao ar como molhos de cardos e de pampilhos, o prazer de espreguiçar debaixo de uma azinheira para jogar matraquilhos com as queixas, os projectos, os amores e os ais, mais os quereres e os sentires de um compadre, qualquer compadre, que tanto mereça.
Eu, pela parte que me toca, abro campanha e já tenho candidato. Está aí. Um homem que escreve em cima do tampo de um balcão, por onde também passa um bom tinto e a travessa das migas, que vive no meio dos sabores e dos odores, género alquimista da Mala Strana, que termina a barba branda onde começam os suspensórios, que segura os olhos na sabedoria da vida, com óculos inúteis porque não sofre de miopia do sentir, que se ri cúmplice quando outro ouve se o pressentir como irmão no estar, que se aquieta no pensar, que conseguiu que as desilusões não se perdessem em fel, que prosa como raríssimos, tecendo um blogue com vagares de artesão, só podia ser o
meu candidato. Eu quero-o em Belém!
Espero adesões ou aprontar de liça com indicação de rivais. Estou pronto para a campanha eleitoral. Venha ela que bem preciso de me esquecer do Sócrates.
Fócrates! como diria o meu candidato.