Blogar, num
blogue individual, é uma solidão em rede que, com o correr do tempo, acaba por se transformar em meio vício, meio tormento. Nos primeiros seis meses, mais coisa menos coisa, ainda haverá o calor da chama da novidade e o prazer renovado da descoberta. A partir daí, a coisa começa a doer no alimento de carambola entre o afago do narcisismo e a auto-flagelação em não querer parar. Acabando por ser mais que tudo uma teimosia, que tanto é bem como é mal. Então apetece parar, largar o que nos prende com o travo amargo do vício. Depois, depois, vem ou não vem a recaída.
Estou a generalizar, eu sei, ou a extrapolar uma experiência individual. Permitam-me isso. Para facilitar as coisas. E por privilégio devido a quem já passou o ano de prática. De quem quis parar ao fim do ano feito e não foi capaz. Ainda não foi capaz.
Comunicar é sempre representar. Aqui, na blogosfera, comunica-se a esmo, em todas as direcções, uma ou outra conhecida (de amigos e compinchas), mas na maioria dos casos não sabemos nem quem nos lê nem o que de nós se pensa. Porque também o feed-back dos comentários e dos mails são face da mesma moeda. Neste caso, comunicar através da blogosfera é como nos metermos num pequeno palco e estarmos para aqui, sempre com as luzes apagadas, sem conseguir sequer ver os olhos e sentir a respiração de quem nos lê. Por esta comunicação ser uma representação, a interacção, quando há, normalmente dá exagero ou estima em demasia para a sustentação real, ou embirração injusta. Talvez porque o teclado tenha qualquer coisa de prostituto que o torna maneirinho para a festa ou para a lambada. E, nestes casos, deitamos para o lixo as potencialidades deste meio veloz de comunicar transformando-o num baile de salão ou numa casa de zaragata. Claro que, com o tempo, vamos aprendendo as manhas dos descaminhos e dos empolamentos, doseamos as coisas, defendemo-nos afinal. Mas, depois, quando jogamos à defesa, a coisa ainda cansa mais. Porque, queira-se ou não, arrefecemos a emoção. E, sem emoção, isto é o quê? Nada, exagero desde já.
Como todas as regras, o que se disse tem excepções.
Não vou falar das más experiências. Já as esqueci. E as que ainda não sepultei, com o tempo lá se irá. Adiante. Até porque não me eximo de contabilizar culpas no meu cartório impulsivo, às vezes a puxar para o desbocado. Digamos que foram burrices ou inabilidades de parte a parte. Quites, pois. Mas seria despropositada, por inútil e por mesquinho, uma espécie de contabilidade de culpas.
Prefiro pensar no que a blogosfera me trouxe de bom e que não foi pouco. Primeiro, arrumei parte importante do baú da memória. Segundo, treinei a transpiração da escrita na ansiedade de um dia chegar à inspiração. Mas sobretudo, mais que tudo, fiz encontros e descobertas. Por exemplo, um compadre que nunca vira mais gordo nem mais magro, tendo-o topado e ele a mim, depois de nos conhecermos, saltou a faísca da cumplicidade amiga (daquela que não engana o algodão) como se tivéssemos andado a reinar juntos desde a primária e durante as voltas da vida, incluindo nas barricadas por valores, mas também, sobretudo, na forma de olhar e tentar entender as gentes vivas na forma como habitam os seus lugares de circunstância ou de procura. Também por aqui vim encontrar uma amiga querida, essa sim vinda lá dos fundos reais da juventude, a quem perdera o rasto há umas dezenas de anos, e por aqui ainda restamos a curtir o prazer da demora gostosa de combinar um reencontro que só pode ser coisa de arromba (como se costuma dizer, andamos na fase gostosa dos preliminares). Estes são dois exemplos apenas (e se os trago para aqui foi porque eles, mais coisa, menos coisa, disseram aproximadamente o mesmo lá nos seus sítios). Há mais, mas hoje não me estendo por aí para não lamechar a coisa ainda mais.
Feito o balanço, vale a pena estar aqui. Enquanto esta coisa me mantiver humano, mais humano se possível. Dando e recebendo. Nem melhor, nem pior. Isso mesmo, com os afectos em ordem. Esse o meu panfleto.