
Teclado amigo envia-me o alerta com pedido de ajuda (no caso, frequentá-la):
A Livraria Buchholz, lugar de referência do nosso (pequeno) universo cultural encontra-se em situação de pré-falência.E conta-me um pouco da sua história:
No início, a livraria estava situada em Lisboa na Avenida da Liberdade e só em 1965 se instalou na rua Duque de Palmela. O interior foi projectado pelo próprio livreiro ao estilo das livrarias da sua terra natal. O espaço estende-se por três andares unidos por uma escada de caracol, com recantos e sofás que proporcionam uma intimidade dos leitores com os livros. A madeira das escadas, chão e estantes torna o espaço acolhedor e agradável. Durante os anos 60, a tertúlia artística lisboeta - entre eles, Escada, Noronha da Costa, Eduardo Nery e Malangatana -, passou pela cave da Buchholz que funcionou como galeria até 1974. Hoje, a galeria continua a ser uma referência cultural com um público fiel que preza o espaço de convívio que a livraria sugere. A selecção dos títulos é vasta e inclui várias áreas: artes, ciência, humanidades, literatura portuguesa e estrangeira, livros técnicos e infantis, na cave funciona uma secção de música clássica e etnográfica. Apesar de não ser especializada em nenhuma área, a secção dedicada à ciência política é frequentada por muitos políticos da nossa praça.E lança o apelo:
Agradece-se a todos quantos a frequentaram que a voltem a visitar. Comprar um livro que não se encontra em mais lado nenhum pode, eventualmente, ajudar a reerguê-la.Para mim, foi como um murro no peito, daqueles de suspender a respiração. Pela ameaça de perder mais um lugar de culto onde consumi, e onde, de vez em vez, continuo a consumir, grande parte das minhas orações aos deuses dos livros. E isto, para a minha sensibilidade, é como uma má notícia de ameaça de desgraça sobre um ente a quem as entranhas dos afectos me ligam. E quando a cultura não tiver nada a ver com afecto, desculpem-me a rudeza, a cultura, por muito culta que seja, não passa de uma merda encadernada. Dito, por outras palavras, e mais educadas, fica entregue aos cínicos para eles brincarem com ela, cuspindo-nos em cima.
Há muitos anos que habito a desarrumação da Buchholz, na Duque de Palmela (perto do Marquês de Pombal), escarafunchando livros, com a tranquila paz de que posso desarrumá-la porque tudo está sempre organizadamente desarrumado (ou desorganizadamente arrumado). Ali, sinto-me como na biblioteca de um imaginado amigo que nos passou foral de devassa na intimidade do seu recheio livreiro. Mesmo agora, com o rio a servir-me de muro de distância, e sempre que o salto a Lisboa se impõe, por lá passo, para poder passear por livros e alimentar a utopia de que, numa encarnação qualquer, aquela ainda vai ser a minha biblioteca.
Eu sei quem ameaça de morte matada a Buchholz e outras que tais. Porque, nos mecanismos consumistas da época moderna, também eu frequento a FNAC. Também eu, na inércia da compra das cenouras, das peúgas, dos flocos, das pilhas, dos CDs, da bica tomada em pé, mais o croquete a iludir a barriga, do parque de estacionamento na cave, da pressa, do passar mais que estar, da escada rolante mais o tapete também rolante para o carrinho, deixei a Buchholz e travesti-me de
Fnac Man.
Como espairecer este sentimento de culpa? Mezinha não a tenho. Mas quem me queira como companhia, faça-ma na Buchholz. Eu tentarei salvá-la, da maneira que posso - estando lá, passando por lá.
Adenda 1: Segundo o DG da Buchholz, a situação não é tão crítica como foi pintada, embora não negue as dificuldades. Ainda bem que o desastre não está ao virar da esquina. O que não invalida o apelo ao reforço na sua frequência.
Adenda 2: O
Jumento partilhou a inquietação e o apelo (o que só demonstra que somos mais que muitos os que nos habituámos a folhear livros na Buchholz), sem falhar a nota de
"apesar da antipatia da velha". Tem razão, lá isso tem, mas (talvez pelas dificuldades) contatei, nos últimos tempos, que a alemã, que não deve ter tido dádiva de genes de simpatia, tem adoçado os modos, temperando um bocadinho aquele impeto germânico de ser agreste à beira de marcar passo de ganso, meter-nos um sabonete na mão e mandar-nos tomar banho numa câmara de gás disfarçada de balneário público. Enfim, que seja para desconto no prazer com os livros e com a livraria que arrasta o encanto de uma quente desarrumação.