
No meio de tantas análises, umas mais sofisticadas que outras, mais o escudo das sondagens, marotas e enganadoras, se calhar está a escapar o Cerne.
E, no caso, como em todos os casos, no Cerne pode estar a chave. E reparem que escrevi chave, não virtude. Porque essa, como se sabe, está sempre no meio (vá-se lá saber do quê). E meio, cruzes canhoto, sugere centro feito bloco.
E o Cerne nas próximas eleições, mais as subsequentes arrumações, pode estar no imprevisto, na surpresa, no nunca antes imaginado e, por isso, não contabilizado.
É que fala-se de direita e de esquerda, da absoluta e da relativa, das alianças por natura ou contra a natura, por isto e mais aquilo, mais não sei que mais, mas tudo a partir de um quadro estático e reprodutivo, como se o mundo partidário estivesse definitivamente arrumado para todo o sempre. E, disse quem muito sabe, o mundo é composto de mudança porque pula e avança.
Ousemos atender a uma hipótese para o Cerne. Por exemplo, que o Cerne sai de um partido esquecido, quantas vezes menosprezado, não mediatizado, mas, no entanto, vivo e pujante, tanto que resolve explodir no relvado eleitoral, abrindo bocas de espanto aos viciados na contabilidade só feita para os grandes. Porque se os partidos grandes podem encolher (e alguns encolherão, diz-me um dedo cusca), também os pequenos podem crescer. Esta é mesmo uma das essências da democracia.
Consideremos, por exemplo, a hipótese Cerne para o PEV (Os Verdes, para abreviar). Esse bom exemplo de partido esquecido (ou ostracizado). Quem fala nele nos arranjos da esquerda maioritária? Ninguém (
nem o PCP!). No entanto, a presença
green, discreta mais eficaz, do PEV anda por tudo quanto é ambiente. Não há questão de esgoto, bandeira azul, praga de gafanhoto, manchas no mar, descida de rios, níveis das albufeiras, lixeira a céu aberto, resíduo ao deus dará, cimento em cima de falésia, dieta nos colégios internos, prédios com tijolos gastos, girassóis nos verdes prados, crianças obesas, fumo nos bares, casais desavindos, filoxera que ameace o tinto alentejano, toucinho que ofenda Maomé, castração química dos pedófilos, e tantas mais, que Os Verdes não atendam e nele não combatam.
Falta reconhecimento ao Cerne? Pois falta. E talvez daí, exactamente do efeito surpresa, é que o Cerne pode tirar forças para se revelar, afirmar-se e baralhar tudo, para resolver, nas contabilidades parlamentares, as hesitações, as traições, os adiamentos e as cobardias. E a Maioria de Esquerda, a almejada, afinal surgir como o ovo de Colombo através da imponente arbitragem unificadora dos Verdes. Que mais não seja, como reconhecimento do principal feito (talvez o único ecológico) do PEV (Os Verdes) votar-se PCP disfarçado de CDU.
Atenção aos resultados. Sobretudo aos do Cerne. Do PEV, melhor dizendo.