Um comentador habitual gozou-me, com companheira gentileza, por eu ser um dos raros leitores do “Avante” usando este blogue para difundir as prosas incendiárias que o PCP gostaria que fosse privilégio, em exclusividade, dos seguidores que o lêem. Como este “reparo” está longe de ser solitário, transcrevo a resposta que lhe enviei (texto revisto):
Pertencerei à irredutível minoria dos que lêem metódica e assiduamente o “Avante” (talvez reflexo de honra para a minha meninice e juventude em que os recebia e passava, dobrados no volume mínimo que o "papel de arroz" tão bem permitia, com o coração aos saltos por causa dos olhares indiscretos).
Hoje, o “Avante”, o “Avante” após Cunhal, virou pasquim sectário da fracção que governa o PCP, transformado que foi este partido em seita de sociedade recreativa em fim de baile. E é, nessa degenerescência, que repousa o seu interesse documental de hoje, enquanto prova autenticada do enorme embuste de duplicidade que o PCP exibe nas barbas da democracia portuguesa. Enquanto no Parlamento, nos blogues, na comunicação social, nas lutas sociais, o PCP se arroga a mais virginal da essência democrática do regime (e seu vigilante-mor), o “Avante” continua a ser a descarga da catarse de um estalinismo serôdio, foleiro, anarco-populista, tremendista e aventureiro que, pela forma canibal como se exprime, faria corar Cunhal, esse exegeta do marxismo-leninismo e seu cultivador na forma asceta e asséptica, elitista também (quase aristocrática) que era própria desse "boiardo de Moscovo" no domínio que tinha sobre a arte da comunicação política cifrada em mensagens para fora e para dentro de molde a permitir recuos táticos ou avanços estratégicos. E, sobretudo, julgo deveras interessante, até para perceber a actual comunicação em política no Portugal de hoje, como esta duplicidade passa e resulta (embora, em termos de eco eleitoral, não atinja o segundo dígito na percentagem de votos, o valor aproximado em que se encontra fixado - os 8% - só é possível pela separação de discursos dualistas em que estruturou a sua propaganda, com uma comunicação eleitoral despida ideologicamente e concentrada no ressentimento social, remetendo as pregações da fúria marxista-leninista para uso interno nas missas de fiéis e em que o "Avante" faz de menu das orações).
Num jogo de enganos, politicamente aceite como correcto, o PCP é urbano, civilizado e exigente (aceitando a democracia e só querendo mais democracia) quando "fala para fora". Mas tem de contentar o seu alter ego estalinista, o que mantém a união entre hostes, através do “Avante”, fazendo a catarse interna da impaciência revolucionária, da sede de ódio de classe, da irresistível atracção pela ditadura iluminada que os exalte como minoria que tem a graça de ser vanguarda, do seu olhar no desespero de alianças pelo mundo fora, procurando, sem exigência política ou ideológica, apoios e parcerias, não se coibindo de se apoiarem, e apoiarem, (n)os assassinos, ditadores e bombistas (numa corruptela espantosa da tradição de exigência revolucionária que sempre alijou o aventureirismo e o terrorismo da arena dos veros revolucionários) desde que os Estados Unidos, Israel ou a democracia com capitalismo sejam os alvos. E, também, uma reprodução esquizofrénica da realidade social e política que justifique o discurso dualista do PCP ávido de antinomias, regredindo, à falta de melhor maniqueísmo, para o estereótipo serôdio do fascismo/antifascismo, encenando um quadro heróico em que eles lutam hoje - com eleições, Parlamento e grupo parlamentar do PCP - numa realidade de neo-fascismo instituído (pior que o velho-fascismo, na medida em que os fascistas de hoje são os irmãos-traidores socialistas, os de sempre, os de Soares até Sócrates).
Finalmente, confesso um aspecto particular que me dá gozo ao citar o Avante: é, cada vez que o faço, prestando ao “Avante” um serviço voluntário e gratuito de difusão, ter um ou vários comentadores (quase sempre sob a capa clandestina do anonimato) a bramar que citar o “Avante”, transcrevê-lo, é manifestação de peçonhento anticomunismo. O que prova que eles, os fiéis de pala jerónima, usam mas não suportam a dualidade que praticam. Há aqui uma interessante dislexia psicológica que pode acabar mal: ou os iranianos atiram rapidamente a bomba atómica e eles, e nós com eles, vamos desta para melhor a cantar a Internacional e a ler o Corão, não havendo nem capitalismo nem socialismo nem nada além das cinzas para ninguém, ou eles acabam todos reunidos a eleger o Comité Central e ouvirem discursar o Secretário Geral num manicómio para seitas políticas. Mas, talvez em última esperança de saída saudável, eles encarrilem após lerem melhor, com mais vagar, o Carlos, o Frederico, o Vladimiro e o Álvaro. E o Suslov, sobretudo o Suslov, o genial Suslov, o pragmático Suslov, o que subiu ao Secretariado com Estaline, acompanhou Krutchov até o derrubar, reinou com Brejnev e ainda sobreviveu no olimpo com Andropov, morrendo vestido do fato do Politburo, tão manhoso, tão manhoso, que foi ideólogo e santo protector do Álvaro no altar do Kremlin, demonstrando como era sábio exigente na selecção dos protegidos.
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