Viajando pela Europa, constatamos como, apesar do “projecto europeu”, ou por acicate de repulsa devido à uniformização burocrática bruxelense, a época é de desenvolvimento dos nacionalismos, autonomismos e particularismos. É uma realidade em crescimento e com a qual temos de aprender a viver e a lidar. Porque a unificação atrai a sobre-afirmação da diferença e porque, também e sobretudo, a maioria dos políticos “europeístas” muito fazem para que a construção europeia se processe num nível “acima” e bem distante dos sentimentos, vivências e vontades dos cidadãos. A fuga ao referendo para ratificar o Tratado de Lisboa terá sido o último e mais clamoroso exemplo da forma como os políticos europeus arredam os cidadãos do coração da identidade europeia. E isto, como tudo, tem um preço.
Há pouco tempo, passei uma semana na Sicília, um caso muito particular de identidade histórica, cultural e política no quadro da realidade italiana, tanto mais que a pátria Itália não tem mais de século e meio de existência. Sabe-se como o rico norte italiano considera o sul. Mas o sul italiano, particularmente na ilha siciliana, não fica atrás no ímpeto centrífugo dos seus “compatriotas”, “menos mediterrânicos” e “mais europeus”. Acontece que a ilha siciliana fica a uma distância da península italiana (região da Calábria) a uma distância inferior ou aproximada daquela que separa as duas margens do nosso Tejo entre as duas actuais pontes. Mas a ligação continua a processar-se exclusivamente por via marítima. Com os recursos que a Itália tem, é um absurdo nunca se ter construído qualquer ponte ligando a “bota” à “pedra”. Tanto mais que a costa norte montanhosa da Sicília, na ligação rodoviária entre Messina e Palermo, possui uma extensa auto-estrada totalmente construída sob a forma de túneis e viadutos intercalados (não consigo imaginar quanto terá custado essas muitas dezenas de túneis e de longos e altos viadutos). E existe uma ligação ferroviária que liga Palermo à rede peninsular fazendo o comboio a travessia do estreito de Messina por … barco. Além do intenso tráfego de pessoas e mercadorias que é escoado, a um ritmo alucinante, por “ferry boat”. Perante este absurdo de investimento e gestão de meios, a única justificação me foi dada (e encontrei esse argumento sob forma escrita) foi que uma ligação entre a ilha e a península, iria diluir a especificidade cultural e dos usos e costumes dos sicilianos, pagando o custo da perda de isolamento (!). Ou seja, com ponte, os sicilianos seriam mais italianos, mais europeus, mas menos sicilianos. Tudo isto se passa num dos países fundadores, mais poderosos e influentes da União Europeia. Assim, como admirar os ímpetos independentistas dos kosovares e as complicações flamengas na Bélgica? Com a prestimosa ajuda dos políticos que gostam tanto de assinar tratados como o nojo que carregam pelas consultas populares.
(este post vai com dedicatória para o companheiro-amigo Pepe que espicaçou o pretexto, com a companhia da oportunista esperança de o ver esgrimir o contraditório)
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