Mulheres em casa (cuidando dos filhos, limpando, cozinhando, engomando, esperando os maridos), patrões e operários marchando juntos fardados de legionários, crianças e adolescentes formando milícias do regime, todos gritando “Salazar!”, enquanto os teimosos recalcitrantes eram metidos na ordem “com uns safanões a tempo”, constituía a base do imaginário romântico do “fascismo à portuguesa”.
Imaginário este que, por vezes, em delírio totalitário, levava a olhar a realidade desta forma esquizofrénica (através de um circuito nunca realizado nem realizável: o jornalista-propagandista António Ferro e o ditador Salazar a passearem anónimos pelas ruas de Lisboa, tropeçando em cada esquina e por meros acasos, com marchas de legionários e de lusitos):
Vamos agora descendo a Calçada da Ajuda. Passam, formadas, algumas centenas de legionários que reconhecem Salazar e erguem os braços na clássica saudação romana. Homens desempenados, rostos morenos, pintados pelo sol português, de todas as classes e idades, o operário ombro a ombro com o patrão, mas todos com vinte anos na luz dos seus olhos, na sua marcha irrepreensível.
- Quem vive? – pergunta, em voz clara, sonora, o comandante de lança.
- Portugal! Portugal! Portugal! – respondem todos.
- Quem manda? – pergunta a mesma voz.
- Salazar! Salazar! Salazar! – gritam os legionários, alegremente, afastando-se, descendo a calçada em passos cadenciados e certos.
- Como estamos longe – observo – dos primeiros tempos, quando o Chefe do Governo português reconhecia, numa das entrevistas que me concedeu, que um dos perigos mais sérios do regime era a frieza dos que o serviam. “Durar, eis o segredo”, disse-me um dia Mussolini. E tinha razão.
Salazar concorda:
- A formação da Legião e, com alcance longínquo, talvez mais a da Mocidade Portuguesa, têm contribuído poderosamente para modificar a mentalidade geral, para restituir aos portugueses o que parece que tinham perdido: a consciência cívica. Ao português corajoso, mas indisciplinado, com horror atávico ao serviço militar, habituado à guerra, sim, mas à guerra civil, já não repugna fardar-se e está disposto a obedecer na hora própria. A Legião e a Mocidade têm-lhe dado ao mesmo tempo um sentimento mais profundo de solidariedade social aproximando as classes, quebrando as distâncias entre os ricos e os pobres. Ensinou-os igualmente a ser tolerantes, a respeitar as crenças de cada um, grande conquista no nosso País.
(…)
Estamos agora diante dos Jerónimos, renda do mar português, praia-mar da nossa epopeia marítima, com os seus cabos, as suas âncoras, com os seus leões imperiais, com a estátua do Infante D. Henrique, profeta e criador das navegações portuguesas, olhando o Tejo. Diante do seu pórtico em flor passam, a caminho dos seus exercícios semanais, alguns castelos da Mocidade Portuguesa, fardas castanhas bem talhadas, calções largos, tufados, caindo sobre essas botas de cano alto que fazem a sua felicidade. Ao toparem com Salazar levantam galhardamente os braços, tal qual os seus irmãos legionários, e rompem a cantar, sem ordem prévia, o hino da Mocidade:
Lá vamos cantando e rindo,
…………………………..
Torres e torres erguendo,
Rasgões, clareiras abrindo!
- Há seis anos ainda os jornalistas e escritores estrangeiros que nos visitavam, cheios de simpatia, não escondiam o seu pessimismo diante do panorama da nossa mocidade abandonada, desorientada, com simpatias evidentes, aqui e além, pelo marxismo. Hoje, a percentagem dos estudantes que se negam a pertencer à Mocidade Portuguesa é mínima. E não são raros os casos em que são os filhos que convertem os pais…
E o dr. Salazar, olhando, com visível enternecimento, os rapazes da Mocidade:
- Quando esta geração chegar à vida poderemos estar tranquilos…
(in “Entrevistas a Salazar”, António Ferro, Editora Parceria A. M. Pereira, com prefácio de Fernando Rosas)
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