Aqui está (mais) um interessante e útil livro sujeito a ser deslido com assobios para o lado. Porque Nick Cohen (1), mais uma vez, questionando a esquerda dentro da esquerda, com este seu “O que resta da esquerda?” (2) levanta os absurdos a que levou o plano inclinado da inércia dos estereótipos da esquerda no seu processo de orfandade de referências, quando o comunismo caíu de podre, nomeadamente quanto à busca, em desorientado pânico, como se repentinamente tivesse caído num quarto escuro da solidariedade, dos lugares onde estão os inimigos, os amigos e os aliados. Mas Nick Cohen, pior que isso (do ponto de vista do sossego da preguiça da esquerda), demonstra que todo o deslizar de abraços (expressos ou apenas cúmplices) para com gente imprópria, forças saídas da escuridão medieva e com uma essência política a tresandar a fascismo, tem uma lógica, a da fixação assente em dois pilares quase ancestrais na esquerda eternamente oscilante entre os modelos democrático e revolucionário: a) a aversão fundamental da esquerda que vive em democracia para com a democracia (baseando-a no asco ao capitalismo) e disponível para apoiar contrapontos onde jamais aceitaria viver; b) a persistente antipatia referencial para com os Estados Unidos e Israel (os dois juntos a comporem o estereótipo caricatural detestável do “judeu endinheirado”, a casar na perfeição com um ódio cristão de estimação), demonstrando que, além da morte política, o komintern não só continua como contamina o próprio outono do reformismo, em tempos apelidado de “social-fascismo” (e o paradigma Mário Soares aí está a demonstrá-lo na plenitude vigorosa do seu ultra-esquerdismo tardio).
É sobre o aparente paradoxo de tantos liberais de esquerda se irmanarem, hoje, na simpatia (activa ou apenas condescendente) com as forças da extrema-direita, que trata este livro. Difícil de encaixar na auto-estima da esquerda rica disponível para entrar nos peditórios dos que assaltam os pilares do seu viver e direito a opinar. Livro indigesto para a sesta política. E se querem um pretexto politicamente correcto para lhe passarem ao lado nas livrarias, eu forneço-o com gozo: a editora que lançou o livro entre nós é a da actual valdevinas política com maior concentração de embirrações (uma tal Zita Seabra) (3).
(1) – Jornalista inglês, colaborador do “Observer”, “New Statesman”, “London Evening Standard” e “New Humanist”. Publicou antes “Cruel Britannia” e “Pretty Straight Guys” (uma demolidora crítica ao governo Blair e que incendiou a opinião inglesa "de esquerda").
(2) – “O que resta da Esquerda?”, Nick Cohen, Aletheia Editores.
(3) - Nota do dia seguinte: Os que leram a crónica do Rui Tavares de hoje ("Público" de 15/11), portanto posterior a este post, digam lá se "eles", os virgens da esquerda, não são fáceis de topar. Lá está o velho tique estalinista que corrompe mesmo quem não o é ou não quer que digam que é: desqualifica-se Zita (oh como gostam de bater na ceguinha!); por arrasto, desqualifica-se a "editora da Zita"; logo desqualificado está o livro hereticamente incómodo publicado pela "editora da Zita".
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