Muitas palmas têm sido consumidas para apresentar o “Tratado de Lisboa” como uma maravilha negocial da presidência portuguesa da UE e a panaceia que vai salvar o funcionamento da superestrutura europeia. E tal é o ruído dos aplausos convergentes que um cidadão comum se sente tentado a querer participar, com o seu voto de cidadania europeia, na anunciada festa do revigoramento do impulso europeu, a celebrada maravilha operada no conclave dos mandantes das “nossas 27 nações” realizada na zona oriental da capital lusitana. Isto, segundo o raciocínio linear, mas provavelmente primário, que se com o “Tratado de Lisboa” a Europa vai navegar melhor com melhores ventos, é a maioria dos europeus, os cidadãos europeus, os que beneficiam da cantada maravilha, tão cantada porque é “porreira”.
Eis senão quando, postos nós (cidadãos) em sossego, nos querem arredar da festa que devia ser de todos. Pois é uma maçada, redundância até, essa coisa do referendo ratificador. Um desperdício que podia dar em azar. Deixemos, pois, o trabalho e a competência de tal mister aos ilustres deputados das nações, incluindo os eleitos por listas que assumiram o compromisso eleitoral de referendarem o tal Tratado. Os argumentos “a favor” vão desde a celeridade pragmática necessária pare meter a maravilha a andar até ao despautério de se insistir no abuso do instrumento do referendo em democracias representativas, todas elas modelares, portanto mais que suficientes.
Afinal, lendo o ilustre constitucionalista Vital Moreira, a dispensa do referendo justifica-se por uma razão mais funda e comezinha: a nossa, dos cidadãos, ileteracia política. Assim bem explicada:
“Os que defendem o referendo sobre o Tratado de Lisboa já experimentaram lê-lo? E acham que algum cidadão comum consegue passar da segunda página?
Não será tempo de deixar de brincar aos referendos?”
Argumento demolidor este. De facto, se não conseguimos passar da segunda página na leitura desta maravilha, decerto cheia de termos arrevezados, imagens jurídicas e inúmeras remissões, redondilhas, metáforas e hipérboles, linguagem vernácula e epistolar, proseletismo unificador, subentendidos e figuras de estilo, sublimações quiçá eróticas de castrações de personalidades recalcadas em busca de salvação, a que propósito iríamos meter o palito do voto no croquete do cocktail da festa da celebração do “Tratado de Lisboa”? E Jerónimos é monumento para finos e entendidos (e o "povo" já tem o Sousa, menos sacro e pouco solene mas muito mais castiço). Nos seus claustros não tem cabidela o cidadão comum, analfabeto político por condição. Façamos a festa cá fora, os relvados fronteiriços de Belém são largos e prazenteiros, a bater palmas, por delegação representativa, aos senhores deputados que, em nosso nome e com aturado esforço, talvez cheguem a meio da terceira página. Celebremos então, mas cá fora, se apenas a hossana basbaque nos resta. Mas, por favor, não nos chateiem a cabeça com imprecações de que, cada vez menos, os europeus sentem a Europa. Porque Europa, ficámos a saber, é assunto de e para letrados, inacessível a cidadãos comuns.
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