Em hora de congresso do PCC, o de todos os revisionismos (menos um, o da democracia), é refrescante ler o que os velhos, mas não reformados, maoístas portugueses e outros radicais anticapitalistas ainda nos têm para dizer sobre os defeitos da nossa esquerda mesmo esquerda e a forma de a regenerar (à revolução):
Denúncias certeiras e propostas positivas é o que não falta na actividade das forças da esquerda parlamentar. Mas, fazendo girar toda a sua acção em torno do parlamento e dos calendários eleitorais, os partidos reformistas acumulam votos mas não acumulam forças de mudança. As suas proclamações anticapitalistas acabam sempre na tentativa para se encaixarem nas instituições e serem reconhecidos pelo sistema como forças “responsáveis”. Receosos de que as acções “descontroladas” dos trabalhadores afugentem a pequena burguesia, afogam todas as iniciativas de base no controleirismo. Trocam a militância pela profissionalização. Privando o movimento de activistas conscientes e ousados, provocam a desmoralização e a desmobilização das grandes massas. Têm boa parte de responsabilidade no descrédito da política e dos partidos aos olhos das massas.
Implantado no movimento operário e popular como a força mais à esquerda e mais organizada, crítico da direita e do imperialismo, o PCP esgota contudo essas potencialidades no mito de “um novo governo e uma nova política”, o qual, na falta de um forte movimento de massas, só pode assentar numa coligação com o PS. Mas uma tal via ou não existe, ou não será anticapitalista. Em busca de horizontes aceitáveis para explorados e exploradores, o PCP dirige patéticas exortações aos capitalistas para que não busquem o “lucro excessivo” e se guiem pelo “interesse nacional”. Ilude os trabalhadores com o sonho de uma “democracia avançada”, de tranquila coexistência entre capital e trabalho, através da qual se faria a passagem ao socialismo sem ruptura da ordem vigente.
Cumprida a passagem do fascismo à democracia burguesa, desaparecida a esperança de chegar ao poder com a ajuda da União Soviética, o PCP ficou limitado ao objectivo de participar na gestão do capitalismo. Incapaz de resolver a contradição entre a “firmeza de princípios” proclamada e a prática reformista que o transforma num viveiro de sucessivas dissidências social-democratas, afunda-se na burocratização, na sufocação da vida interna e na senilidade ideológica.
O êxito eleitoral e mediático do BE, o mais recente produto na contínua invenção social-democrata de “novas esquerdas”, não pode disfarçar a inconsistência do seu estilo pseudo-radical. A sua prática sindical e anti-imperialista é em muitos casos mais recuada que a do PCP, a quem procura suplantar como possível parceiro do PS. Apregoando-se como a “esquerda moderna”, o Bloco especializou-se nos direitos das minorias, nas reivindicações de “cidadania” e nos “novos movimentos sociais” como alternativa à luta de classes. Cativa assim massas de eleitores, sobretudo jovens, desiludidos com a passagem do PS para o campo da direita, mas as suas campanhas ecológicas, humanistas, culturais são facilmente digeridas pelo sistema, justamente porque não confrontam explorados com exploradores, oprimidos com opressores.
A CGTP, que se impôs como o representante da massa assalariada devido à sua resistência aos ataques do patronato, dos governos e do sindicalismo amarelo da UGT, perde influência por se obstinar nos sermões sobre a colaboração de classes quando a burguesia impõe brutalmente a lei da selva neoliberal. Ansiosa por sensibilizar todos, operários, tecnocratas e patrões “esclarecidos”, apresenta protestos cordatos na Concertação Social e dá conselhos sobre o desenvolvimento económico e o crescimento da produtividade, como se se pudesse, ao mesmo tempo, estar contra o capitalismo e participar na gestão mesmo tempo, estar contra o capitalismo e participar na gestão dos seus interesses. Montou um enorme aparelho burocrático que mata o activismo nas empresas. Favorece o alastramento do corporativismo, do elitismo e do sindicalismo de gestão. No clima de paz social que a CGTP contribuiu para criar, as suas “jornadas de luta” são impotentes para deter a ofensiva do patronato.
O mal incurável desta esquerda é a sua prisão voluntária dentro da ordem existente, que a coloca na dependência estratégica do PS, apesar das críticas acesas que lhe faz no dia-a-dia. Ora, o PS confirmou-se ao longo dos últimos trinta anos como o principal obreiro da recuperação capitalista e do ataque ao movimento popular – mais eficaz inclusive que o PSD e CDS. O seu discurso sobre liberdade, solidariedade e progresso encobre a cumplicidade nas mais sinistras acções do grande capital e do imperialismo. Tem que ser reconhecido como um partido de direita. A prática de o tratar como uma alternativa “menos má” e de lhe dirigir apelos e desafios na esperança de o recuperar só tem servido para confundir os campos e paralisar os trabalhadores. Não é pela conciliação com o PS que se ganham as massas que nele votam mas pela afirmação de um novo pólo de atracção anticapitalista que o desmascare.
Sabemos que a revolução social não está ao virar da esquina e que as lutas a travar em cada momento são aquelas que o estado de consciência das massas permite. É através da luta pelos seus interesses imediatos e objectivos parciais que os explorados se unirão e organizarão para lutas superiores. Exige-se-nos um trabalho paciente, que não se compadece com radicalismos verbais. Porém, ao empenharmo-nos nessas lutas diárias, por reivindicações muitas vezes modestas, não perdemos de vista que a sua utilidade é incutir gradualmente nos trabalhadores a confiança nas próprias forças, o repúdio pela ordem capitalista, a consciência e determinação revolucionárias. São positivas as lutas que contribuem para pôr explorados e exploradores em confronto, não as que semeiam ilusões na colaboração de classes. Alertamos os trabalhadores contra a miragem de que uma espiral infinita de reformas transformaria gradualmente o inferno capitalista num paraíso socialista. Dizemos que conquistas verdadeiras só com lutas superiores podem ser alcançadas e que tudo depende de se criar um campo resolutamente anticapitalista.
O ponto de partida para uma nova política é dizer frontalmente aos trabalhadores que nada têm a esperar do actual regime, romper com o fatalismo e o espírito da obediência à ordem reinante, incutir nos explorados o desprezo pelos valores do regime, alimentar-lhes a aspiração a um outro modo de vida, realmente democrático, liberto da opressão do capital. Para dar vigor às reivindicações e protestos da população pelos seus direitos é preciso fazer alastrar a todas as frentes a insatisfação com o infame modo de vida que nos é vendido como a “verdadeira democracia”, popularizar o direito à rebeldia, a ideia de que se pode viver de outra maneira. Há que retomar a linha de continuidade dos grandes movimentos populares de há trinta anos, que fizeram mais pela libertação e o progresso social do país que todas as leis de todos os parlamentos e governos. O proletariado já fez muitos sacrifícios por causas alheias – é hora de afirmar a sua própria causa, o seu antagonismo com o sistema e o objectivo de acabar com o capitalismo.
(cheguei a este “manifesto” de esquizofrenia regeneradora com esta e esta ajudas)
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