O discurso do PR sobre educação, na cerimónia de evocação da proclamação da República, foi uma peça inútil. Dirigir-se “a toda a sociedade” para a resolução dos problemas educativos é falar sem nada dizer. Afinal, um discurso moralista mas oco. A menos que ele conheça uma qualquer mola que se acciona para meter a sociedade em marcha. E, se sim, podia dizer onde está o botão para lá irmos carregar (o tal botão que ele não carregou enquanto foi primeiro-ministro).
Mas muito pior que o discurso de Cavaco Silva, inócuo mas bem intencionado, foi a gravíssima frase de comentário de Sócrates do “não confundam professores com sindicatos”, afirmando que está com os primeiros e não com os segundos. E esta declaração é tanto mais insuportável quanto a inoportunidade da data escolhida para a proferir. Porque é prova do mais profundo espírito antidemocrático tentar separar, ou colocar como polos contraditórios, sindicatos e sindicalizados. Poderia dizer que a educação é muito mais que o sindicalismo dos professores. Também podia acrescentar críticas às formas como os sindicatos dos professores resistem à reforma e à modernização do ensino. Até falar da excessiva politização do sindicalismo. Ou falar dos professores sem falar dos sindicatos. Mas nunca da forma como o fez, socavando politicamente um dos aspectos fundamentais do regime democrático, o da livre organização e actividade sindical. Para mais, relativamente a um sector sindical, onde não só a taxa de sindicalização é alta como é das mais plurais em termos político-sindicais.
No fundo, o dia presidencial dedicado ao 5 de Outubro foi o dia de um intrincado paradoxo: enquanto Cavaco se dirigiu ao abstrato social (o de “toda a sociedade”, que é tudo e nada), Sócrates quis negar uma das forças activas e organizadas entre as forças sociais. A República não merecia, no seu dia, este acumular de disparates institucionais: do Presidente (o disparate do vácuo) e do chefe do governo (o disparate da negação do que é incómodo).
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Adenda (7 Outubro): Não é a primeira vez que os jornalistas a soldo do capitalista Belmiro Azevedo deitam o olho a este blogue e decidem transcrevê-lo no pasquim ao serviço de um dos mais ricos membros da classe que se apropria de mais-valias num sistema de exploração que amanhã (quando esta cantar) será varrido pela revolução na história. Pedindo disso desculpa aos leitores, homens e mulheres sem a mácula da colaboração de classes, este post foi parcialmente transcrito no “Público” de hoje. Embora tenha ocorrido sem acordo ou aviso prévio do autor, só resta lamentar a ocorrência, garantindo que o vil assédio ideológico perpetrado pela Sonae não desviará este blogue das justas posições de classe.
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