Há uma greve geral pela democracia, com início marcado para as oito horas e oito minutos de 8 de Agosto [de 1988], com manifestações de centenas de milhares de monges e estudantes nas ruas - e o novo poder militar ordena fogo à vontade sobre os manifestantes desarmados. Pela primeira vez na sua vida, Suu Kyi sabe claramente o que tem de fazer. Escreve uma carta aberta ao Governo propondo eleições democráticas e um sistema multipartidário e convoca um comício onde defende os mesmos princípios e exorta os seus concidadãos a exigir de forma não-violenta os seus direitos. Os birmaneses congregam-se naturalmente em torno desta mulher determinada de aspecto frágil cujas palavras claras traduzem tão fielmente os seus desejos, em torno da filha de Aung San. A repressão continua. Mais de três mil manifestantes são mortos.
Suu Kyi cria o seu partido, a Liga Nacional pela Democracia, onde reencontra alguns velhos companheiros do seu pai.
Os anos seguintes da vida de Suu Kyi são conhecidos. Um combate permanente pela democracia, pelo respeito dos direitos humanos, e a adopção de formas de luta não-violenta, na linha do budismo que professa fervorosamente desde sempre. Uma coragem que se tornou mítica - mesmo perante a força brutal de uma intervenção policial Suu Kyi não foge, não recua. Dos últimos 19 anos, mais de 11 foram passados em detenção - muitos em prisão domiciliária, alguns em prisões comuns, muitos meses na solitária, algumas semanas em greves de fome para exigir tratamento humano dos outros prisioneiros.
Em 1990, num afrouxamento momentâneo, o regime militar permite a realização de eleições. O partido de Suu Kyi obtém 82 por cento dos votos. Os militares respondem com um endurecimento da repressão e invocam um argumento legal para ignorar o escrutínio.
Em 1991 Suu Kyi conquista o Prémio Nobel da Paz, que não pode receber por estar em prisão domiciliária.
(…)
Não há adjectivos que possam descrever esta mulher pequena e elegante, que cheira a jasmim, habitada por uma tão grande determinação e que é capaz de um sorriso tão caloroso. Matt Frei, jornalista da BBC que a entrevistou duas vezes, diz que há aço por trás daquela beleza. Os que a conheceram dizem que a sua presença os marcou. Para todo o mundo Suu Kyi tornou-se um exemplo de dignidade, de coragem, de generosidade e de abnegação e um ícone dos direitos humanos. Esta admiradora de Gandhi, de Martin Luther King e de Mandela é um exemplo, como diria o Comité Nobel, “do poder dos que não têm poder”. É mais do que isso. Suu Kyi é também um exemplo que envergonha os poderosos, os que poderiam fazer alguma coisa e se calam: os Estados Unidos e a União Europeia, que permitem que a junta birmanesa se mantenha no poder há 45 anos. A China, a Índia e a Rússia, que são apoiantes activos dos militares.
Suu Kyi poderia explicar-lhes, como escreve num dos seus livros, que “para viver uma vida plena é preciso ter a coragem de assumir a responsabilidade pelas necessidades dos outros”.
Aung San Suu Kyi pode estar em parte incerta, mas há um sítio onde sabemos que ela está: no coração dos birmaneses e de todos os homens e mulheres de boa vontade.
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