Manuel Maria Carrilho, num interessante artigo publicado no DN, aborda a questão da crise nos partidos (com destaque, naturalmente, para a situação no PS) e o perigo de a democracia sofrer de uma “implosão partidária”. Interessante é o contributo que também é canhestro e manhoso.
Do texto, destacamos:
Da gigantesca abstenção até aos valores obtidos pelos "dissidentes", da desmotivação dos cidadãos até à fragmentação dos eleitos, tudo veio ajudar a empurrar o descrédito partidário para limiares que podem ser verdadeiramente implosivos.
Porque a implosão está perto: ela apenas depende do agravamento de dois factores: por um lado, da ilusão que os independentes podem representar de um modo mais genuíno a sociedade civil na vida democrática. E, por outro lado, do bloqueador vazio que se vive no interior dos partidos, que se tornaram cada vez mais em organizações de eleitos sobretudo preocupados com a eleição seguinte.
Claro que nesta situação - e tendo por pano de fundo uma crise da representação política de matriz civilizacional - os equívocos se multiplicam com facilidade. E o dos chamados "independentes" pode na verdade ter consequências muito negativas para a vitalidade da democracia.
Trata-se com efeito de um equívoco, e por várias razões: desde logo, porque quem temos visto a disputar eleições (trate-se de Isaltino ou de Valentim, de Roseta ou de Carmona), não são independentes, mas meros dissidentes de ocasião, que só as circunstâncias obrigaram a mudar de rótulo.
E depois porque, com este contrabando de designação, se iludem dois factos incontornáveis: é que nem estes independentes são emanações mais autênticas da sociedade, nem se encontra no mundo um só exemplo de democracia que funcione com base em independentes. Isso simplesmente não existe, por muito que tal custe à nossa tão atrevida ignorância!...
Portugal está assim, três décadas depois do 25 de Abril, refém de uma poderosa tenaz política, entalado entre partidos profundamente esclerosados e uns ocasionais ímpetos independentistas, sem verdadeira coerência ou consistência.
Nesta espécie de lição pedagógica para a regeneração partidária, Carrilho confunde causas e efeitos, acabando por, na sua hierarquização dos “males”, lobrigar o ónus maior no malefício da epidemia dos “independentes”. Como se não fosse, precisamente, o “bloqueador vazio que se vive no interior dos partidos” a causa e o motivo (mais o espaço aberto) para os “independentes” atingirem relativos sucessos nas últimas pugnas eleitorais. Sobretudo se tivermos em conta que realizaram campanhas sem o apoio das poderosas e endinheiradas máquinas partidárias.
Curiosamente, na listagem das heresias “independentistas” (“dissidentes” chama-lhes Carrilho, copiando a linguagem condenatória do PCP), o articulista “esqueceu-se” de mencionar a candidatura de Alegre às presidenciais (porque será? um milhão e cem mil votos é de mais ou de menos para caracterizar uma apostasia?) e, no relativo às autarquias, refere Valentim e Isaltino, Roseta e Carmona, mas deixa no escuro do silêncio o “caso Felgueiras” (e que caso!).
Carrilho comete ainda, neste artigo, duas outras omissões de monta: primeira, que nas “legislativas” (a excelência na afirmação partidária e de onde sai o parlamento e o governo), os “independentes/dissidentes” não têm espaço de intervenção concorrencial; segunda, silencia o seu próprio contributo pessoal para a “implosão partidária” pois que, enquanto “homem de partido”, na penúltima eleição autárquica para Lisboa (uma eleição não contaminada com a concorrência de “independentes”) deu forte contributo ao descrédito das “candidaturas partidárias” (a campanha de Carrilho proporcionou a maior vitória do PSD para a CML) além da péssima oposição camarária que exerceu (em que primou pela omissão e pela vitimização).
Afinal, nem sempre quem se veste de pedagogo vai além da tentativa de fazer pastorícia de bodes expiatórios.
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