Pensava eu, em defeito de paternalismo, que a estátua em bronze que foi apeada e roubada na Guiné-Bissau, representando Ulisses Grant, tinha revertido para que alguns populares carenciados daquele infeliz país perdido na desgraça africana arranjassem um cobres para mandioca e ainda se enfeitarem com uma fatiota. Afinal, leio no ”Público” de hoje:
“O empresário Alpoim Calvão foi impedido, sexta-feira, de sair da Guiné-Bissau e está sujeito a termo de identidade e residência por alegado envolvimento no desaparecimento de uma estátua na ilha de Bolama, disse ontem à Lusa a Polícia Judiciária guineense.”
(…)
“"As investigações ocorreram na sequência de uma denúncia. Há nacionais e estrangeiros envolvidos, nomeadamente Alpoim Calvão", afirmou um inspector da PJ guineense, acrescentando que a estátua foi encontrada enterrada num buraco.”
”Segundo o inspector, o empresário português já foi ouvido e reconheceu que a sua empresa de sucata comprou uma parte da estátua.”
”Alpoim Calvão, comandante das forças especiais portuguesas na guerra colonial na Guiné, está em Bissau desde 2004 com um projecto de investimento no sector de recolha de sucata e transformação de caju.”
O que muda radicalmente o panorama da coisa. A confirmarem-se as suspeitas, trata-se afinal de mero efeito do regresso de um malandro ao lugar da malandrice, lugar com a tradição de séculos de malandrices lusitanas. E que, pelo lido, reporta a um velho-novo e contumaz mau malandro. Alpoim Calvão, antigo comandante de fuzileiros navais na Guiné, tem, nesse aspecto, um currículo invejável. Lá, na Guiné, e cá, entre nós. Foi o dirigente operacional da invasão por Portugal de um país soberano (Guiné-Conacry), a mando de Spínola e Marcello Caetano, em Novembro de 1970. No 25 de Abril, entrincheirou-se na sede da PIDE (constou que estava a preparar-se para substituir Silva Pais na direcção da polícia política). Durante o PREC, chefiou a rede bombista do MDLP spinolista que assassinou a eito pelo país fora. Depois, reconverteu-se em negociante de armamento, chegando a administrador de uma empresa exportadora de explosivos. Voltou à Guiné-Bissau como “empresário”. Onde, tendo em conta o pouco que existe para ser negociável, parece que nem as estátuas por lá plantadas e deixadas lhe escapam. Provando que um mau malandro nunca se reforma e teima em voltar ao local das maiores malandrices. E que, sempre por más razões, nunca cai no esquecimento.
Imagem: Alpoim Calvão, quando oficial da Marinha de Guerra, a ser condecorado por Salazar.
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