Obviamente que não tem muito que enganar o menu boliviano-populista de Morales. Bem como ao que levará o abraço repartido na cumplicidade retumbante desse trio Fidel-Chavez-Morales – um dia destes, sentarem-se à mesa do FMI e congéneres a ajustarem os cintos à medida do retrocesso pelo abuso da bebida da demagogia. O que, sabiamente, Lula soube poupar o Brasil, talvez pela inspiração da convicção no seu desígnio de grande potência latino-americana. Mas não se pode pedir a todos, sobretudo aos líderes caudilhistas feitos na pressa (para os quais, é muito mais fácil macaquear Fidel que abrir as veredas da libertação democrática e social), que tenham a manha sábia de Lula, construída na aprendizagem de umas tantas tentativas, democraticamente fracassadas, de chegar-se ao poder. Ou, sobretudo, receberem presidencialmente, como Lula, um país previamente organizado e regenerado por um político com o enorme talento, coragem e determinação de Fernando Henrique Cardoso, provavelmente o político que mais estruturou a democracia (na sua tríade política-social-económica) na América do Sul e que ainda está marcada pela paisagem do seu passado colonial.
Fidel à parte - um caso de paranóia fascistóide e caudilhista e na linha simétrica de Trujillo, Baptista, Perón, Pinochet e Videla, mais uns tantos ditadores de opereta sádica - Chavez e Morales são resultados do jogo democrático que os legitimam. Na história da América Latina, sempre navegada entre impulsos e excessos, com sinais contrários, um e outro são pólos repetidos (já vimos este filme no México, no Peru, no Chile, no Panamá, no Equador, sobretudo na Argentina) e por réplica a muitas outras mais tendências autoritárias e corruptas e a ainda mais experiências falhadas de “regeneração neo-liberal”. A Bolívia, como a Venezuela, enquanto decidam pelo voto, têm o pleníssimo direito a recusarem a imitação da sobriedade e equilíbrio de Lula, preferindo a experiência da aventura pelo excesso, pelo populismo e pela demagogia. E os neo-liberais serão os últimos com direito a atirarem pedras a Chavez e a Morales. Não pela profecia, fácil, sobre os becos onde leva o anarco-populismo venezuelo-boliviano, travestido de revolucionarismo, conveniente aos actuais senhores mandantes de Havana, seus amos vanguardistas na demonização dos opressores do norte continental. Mas, sobretudo, pela decência exigida como paga aos muitos silêncios engolidos para com as experiências autoritárias simétricas e os fracassos da receita selvagem do neo-liberalismo de terra queimada para os pobres ali aplicadas, sempre com a Espanha neo-colonial a rir-se nos entrefolhos, arrecadando as suas gordas receitas.
O meu voto, respeitando a distância imposta pela dimensão respeitável do Atlântico, é que, entre cem guinadas e cem cabeçadas, mil “Lulas” espalhem flores de bem-estar sábio a terras carentes de democracia adulta. Até lá, respeite-se o direito da América Latina aos seus excessos de adolescência política. Enquanto o voto (deles) for quem mais ordena.
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