A forma como as ditaduras ditas do proletariado (que segundo o marxismo-leninismo, são a forma suprema de democracia, porque liberta, após aniquilação, da burguesia) lidam com o proletariado, ele mesmo, é a demonstração insofismável da instrumentalização dúplice da sua ideologia de suporte. A “questão sindical” é, neste contexto, o caso mais paradigmático da hipocrisia maquiavélica que impregna o marxismo-leninismo.
Enquanto forja do exército revolucionário na fase da conquista do poder, como fonte de conflitualidade social que alimente a crispação política de modo a que a luta pelo poder se desloque das instituições e da escolha eleitoral para a rua e as acções de massa, precipitando a crise das sociedades democráticas, o movimento sindical é, para o comunismo, a principal alavanca estratégica de contra-poder na criação e crescimento do espaço político conquistado a partir do ressentimento social face à exploração e à desigualdade capitalistas (a greve é a melhor escola para a insurreição). E, como regra, os melhores (mais dedicados, mais generosos, mais reivindicativos) quadros sindicais são comunistas. O facto de actuarem politicamente no âmago do tecido social mais sofredor da exploração, desenvolve neles uma sensibilidade político-social com efeito de relativa imunidade à supremacia da burocratização partidária vanguardista. Que, para estarem de bem como o partido e o sindicato (melhor, com os sindicalizados), obriga a uma sabedoria no uso da manipulação e instrumentalização para que o sindicato sirva o partido sem se descaracterizar sindicalmente.
Quando a vanguarda (operária-camponesa) chega ao poder, muda o figurino e os papéis. O exército revolucionário passa a exército produtivo, as reivindicações passam a ser negócio da contra-revolução. Ao partido, à sua hierarquia e burocracia, compete a planificação e decisão do político e do social. Aos sindicatos, transformados num grupo de capatazes organizados, resta a missão de disciplinar o mundo laboral, de forma a transformá-lo em fonte de legitimação da base de apoio ao novo regime e de amortecedor nas novas tensões sociais, incentivando ao produtivismo com ausência de personalidade reivindicativa. Um pacto social é então imposto: algumas necessidades básicas são garantidas (igualizadas ao nível da penúria sustentável) – emprego, habitação, saúde, alimentação; quanto a reivindicações, rebeldia e ascensão social, passam à categoria da exogenia no novo quadro social e político, passando de casos sindicais e casos de polícia. Aos sindicalistas, resta-lhes a reciclagem pela burocratização partidário. Ou seja, passarem de reivindicativos profissionais quando do velho poder a profissionais do servilismo para com o poder novo. Porque se os sindicatos ajudam à revolução, morrem com ela.
Foi assim em todas as partes onde o proletariado conseguiu ascender à "terra sem amos" em versão não a do hino mas na da "democracia popular". E o assassínio comunista da utopia sindical só gerou uma ligeira querela na família marxista durante a primeira fase da revolução bolchevique, aliás uma querela medíocre que revelou um Trotsky mais papista que o papa Lenine, ou a padecer mais de sinceridade brutal que o manhoso dúplice Vladimir, querela sanada quando um e outro se uniram na repressão sangrenta da rebeldia de Kronstadt. Mas o estalinismo resolveu para sempre, com pragmatismo estatal, todas as veleidades de existir um ramo sindical na árvore do poder comunista. Foi assim desde a Checoslováquia socialista que herdou um operariado antigo (na Boémia e em parte da Morávia), combatente e organizado, com pergaminhos sindicais e políticos, até aos países atrasados e predominantemente camponeses onde as baionetas do Exército Vermelho penduraram as efígies de Marx, Engels, Lenine e Estaline. O “caso cubano”, essa reminiscência serôdia do comunismo tardio e retardado é também, neste aspecto, um exemplo a demonstrar que sindicalismo é assunto do capitalismo, contra ele vive e com ele morre:
El trabajador cubano no puede elegir su empleo de acuerdo a su capacidad o profesión, ni negociar salarios o condiciones laborales con el patrón -entiéndase el Estado-, ni decidir soberanamente a cual agrupación gremial desea o no afiliarse. No puede introducir enmiendas o demandas en los convenios colectivos de trabajo.
El régimen dictatorial que impera desde hace más de 48 años ha desarticulado el otrora pujante movimiento obrero convirtiendo a los trabajadores cubanos en simples instrumentos. La Central de Trabajadores de Cuba no es más que un brazo del gobierno castrista.
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Adenda: A ler na "caixa dos comentários", o depoimento de José Manuel Correia.
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