Um livro e um filme sobre os “anos de tensão” europeus nas décadas de 60 e 70, em que extrema-esquerda e extrema-direita, paralela ou cruzadamente, enveredaram pela conspiração, violência e crime, motivaram uma excelente nota reconstituinte de Miguel Cardina sobre as malhas deste “polvo negro” e cujos tentáculos se estenderam a Portugal. De leitura útil, muito útil, sobretudo para as memórias fracas e as fracas memórias. Passo, com a devida vénia, um excerto-aperitivo para a versão integral:
Sob a cobertura de uma agência noticiosa com o nome de Aginter Press, escondia-se uma estrutura que, cumpria serviços de espionagem e contra-subversão em ligação directa com os serviços secretos portugueses. Havia sido criada em 1966 por Guérin Sérac – um antigo militante da francesa OAS, conhecida pelo modo particularmente cruel como agiu durante a guerra da Argélia – e que em Portugal seria instrutor da Legião Portuguesa e da unidade anti-guerrilha do exército. Aginter albergava ainda a organização político-militar Ordem e Tradição que dispunha de um grupo clandestino destinado – segundo uma definição própria – a «intervir em qualquer parte do mundo para enfrentar as graves ameaças comunistas». Com uma rede de informadores espalhada pela Europa, Aginter ministrava, em Portugal, cursos técnicos em campos de treino disponibilizados pela PIDE e pela Legião Portuguesa, proporcionando, em troca, acções em países africanos. O assassinato do líder independentista moçambicano Eduardo Mondlane terá sido uma delas.
A Aginter financiara e preparara, em Itália, o terrorismo de direita ocorrido especialmente entre 1969 e 1974 no âmbito da referida «estratégia de tensão», que, em última análise, deveria levar a uma «situação de antipatia perante os governos e os partidos» que culminaria num golpe de estado de cunho nacionalista. Nesta altura, um documento da organização estipula ainda a vantagem de infiltração nos grupos da extrema-esquerda. O Partido Comunista Suíço (Marxista-Leninista), editor do jornal L’Etincelle, terá sido um desses colectivos que mantivera uma ligação estreita com Aginter. Outro caso terá sido a estranha conversão à retórica maoista de uma série de destacados militantes neofascistas italianos – como Mario Merlino e Stefano Delle Chiaie – após uma viagem à Grécia dos Coronéis, onde ocorreu uma reunião de quadros. Com dificuldades de penetrar no território filo-chinês, infiltram-se em organizações anarquistas. O primeiro cria o Círculo 22 de Março e terá sido ele a colocar as bombas em Roma, abrindo espaço à incriminação do grupo. Em Milão, as bombas terão sido colocadas por Delfo Zorzo, militante da secção veneziana de Ordem Nova.
Com o 25 de Abril, Guerin Sérac e os seus colegas refugiam-se em Espanha onde procuram manter vivo o seu objectivo. Nos primeiros anos da década de 1970, Espanha é, aliás, o refúgio de quase todos os italianos implicados na «estratégia da tensão». Recomposta a central neofascista – alimentada agora de agentes policiais dos recém-caídos governos de Portugal e Grécia – dedicam-se, entre outros projectos, à criação de um grupo anti-ETA. Em Fevereiro de 1975, agentes do MFA observam uma reunião do ELP, na qual se encontra Guerin Sérac e alguns portugueses ligados aos ambientes da extrema-direita política e militar. Um mês mais tarde, Eurico Corvacho, em nome do MFA, dava uma conferência de imprensa onde ligava o ELP ao golpe de estado falhado de Spínola, a 11 de Março, e revelava, baseando-se em documentos apreendidos, que a organização se preparava para realizar actos de desestabilização e sabotagem, entre os quais se incluiriam raptos e execuções de expoentes do MFA e de movimentos de esquerda ou interferências com a imagem de Nossa Senhora de Fátima nos discursos de Vasco Gonçalves e Costa Gomes. Nos anos seguintes, Sérac e o seu grupo iriam ainda actuar activamente em Angola, Argélia e Espanha.
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