Não há partido que não goste de pendurar, para enfeite, um surtido e sonante lote de artistas e intelectuais. E quanto mais ideológica é a carga que enforma o partido, mais e mais conhecidos artistas e literatos se recrutam para engrossar o vagão atrelado dos “companheiros de jornada”. Eles são considerados excelentes trunfos para “abaixo-assinar” manifestos e petições, decorarem as listas num vigésimo quinto lugar não elegível, serem mandatários e membros de comissões de honra de candidaturas, aparecerem em tempos de antena, abrirem comícios importantes e decorarem “frentes unitárias”.
É famosa a eficácia do “comunismo ocidental” que, no século XX, recrutou e inspirou uma gigantesca legião de intelectuais famosos e influentes como paladinos da “ilusão comunista”. No essencial, os intelectuais comunistas ou filocomunistas do mundo capitalista funcionaram como o mais poderoso biombo propagandístico aos crimes do comunismo e ao comunismo enquanto patologia política. Representaram, assim, um trunfo de primeira grandeza entre os sucessos do Komintern (Internacional Comunista, sempre dirigida desde Moscovo). Mais e melhor que o efeito da influência conseguida junto da classe operária e dos sindicatos.
Muitos ensaios têm sido dedicados a esta misteriosa atracção dos intelectuais ocidentais pelo comunismo, sobretudo quanto ao caso francês. Mas está por apurar o balanço final da miséria intelectual e política em que tanta gente da “inteligência” cobriu os crimes do comunismo, difundindo-lhe a “ilusão” sob o manto da utopia redentora, enquanto os seus colegas nos regimes incensados penavam sob as cangas do obscurantismo, do servilismo, da repressão e da estupidez. Como entender os extremos do desvario alienado e fanático que enlouqueceu cabeças brilhantes, cultas e criativas, ao ponto de cantarem Estaline quando este liquidava aos milhões com balas na nuca, pelo trabalho forçado ou pelas fomes provocadas, respeitarem a autoridade do analfabetismo tonto de Jdanov quando este lia a cartilha do “realismo socialista” aos “engenheiros de almas” e adorarem Mao quando (ou por isso mesmo) os “guardas vermelhos” liquidavam os intelectuais chineses ou os escorraçavam para os campos para se “regenerarem” através do trabalho braçal? Mas se a “mistificação intelectual” foi de grau incrivelmente monstruoso nas casas capitalistas do comunismo, também as outras correntes partidárias tentaram, embora com muito menor grau de eficácia, atrelar a si artistas, escritores e professores. Não há força partidária que não goste de enfeitar os dedos com anéis do saber e dizer mediatizados.
Com a ruína do comunismo internacional, os seus “companheiros de jornada” (os “amigos intelectuais”) foram dos primeiros a engrossar a debandada. Por cá, como exemplo e lendo-se a lista dos subscritores do “manifesto pela liberdade de expressão” (aqui referida), é notório o elevado número de deserções entre os intelectuais portugueses alinháveis nas operações hipócritas e propagandísticas do PCP (compare-se com as listas congéneres dos tempos do fascismo, da revolução e da pós-revolução pré-perestroika).
Mas se, num dos casos, os intelectuais fogem do partido, noutro, espantosamente, é o partido que foge dos intelectuais, incluindo do que melhor lhe serviu de bandeira como seu ícone entre a "intelectualidade socialista". A frieza tecnocrática da gestão da coisa pública como que levou Sócrates a alijar o melhor do património do PS, cobrindo Margaridas e ignorando um escritor e poeta com a dimensão de Miguel Torga. Arrisco-me a baptiza-lo como “fenómeno Torga”. E por aqui me fico, passando a palavra aos socialistas de fé e cartão. Arnaut já falou. Faltam outros, os muitos muito calados.
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