Fernando Penim Redondo suscitou uma série de questões pertinentes e interessantes de reflexão sobre a dissidência comunista portuguesa no contexto da justaposição entre a “maré cavaquista” (que provocou uma enorme erosão na ilusão comunista à portuguesa, de que foram partes significantes as dissidências internas e a debandada irreversível de uma grossa fatia dos seus eleitores, parte deles indo directamente do voto comunista para o voto cavaquista) e a perestroika soviética que culminou na implosão do império vermelho. FPR promete desenvolver os seus pontos de vista e, assim, para um comentário global ao seu enfoque, há que esperar pelos próximos capítulos (*).
Sem a pretensão de uma antecipação polémica, deixo, se o FPR me permite, duas observações ao seu intróito:
- FPR quando escreveu “A partir de 1992, e em alguns casos mesmo antes, os mais destacados dissidentes esqueceram o PCP, e aparentemente as suas utopias, e trataram de prosseguir as suas carreiras políticas no PS, no BE ou, no caso de Zita Seabra, mesmo no PSD”, não primou pelo rigor. Pelo menos um dos dissidentes “mais destacados” (se o critério de destaque não coincidir com o da projecção mediática), talvez o “cérebro” do chamado “fraccionismo da terceira via”, António Graça (membro do CC, com muitos anos de militância comunista clandestina, com longos anos de prisão e com porte heróico perante as torturas da PIDE), recusou-se a aderir ao PS ou a outro qualquer partido (assim se mantendo até ao seu falecimento). E entre os “menos destacados”, julgo que a maioria se tem mantido numa posição de independência partidária com opções eleitorais não organizadas e individualmente decididas caso a caso.
- A crítica de FPR aos dissidentes de que “Não quiseram, ou não souberam, no entanto, enunciar alternativas viáveis, anti-capitalistas, às relações de produção e às opções económicas e sociais que caracterizavam a sociedade soviética” obedece ao paradigma único da resolução social e política pela via do anticapitalismo. O que, em termos práticos, e no quadro das experiências políticas conhecidas, implica uma opção revolucionária na transformação sócio-política e em conflito com a via democrática e eleitoral (via esta já muito antes adoptada pelos partidos “eurocomunistas”). Ora, os principais caminhos da dissidência, nas suas linhas gerais, tentaram enformar, afinal, um “eurocomunismo retardado” (e, neste aspecto, o “eurocomunismo” terá tido sobre a dissidência uma influência mais profunda, mesmo que não percebida nem assumida, que a própria perestroika, a qual, no essencial, não passou de uma tentativa de instalar um “eurocomunismo soviético”). Muito provavelmente, se a perestroika não tivesse descambado no dramatismo traumático e na evidência da impossibilidade de reforma do sistema soviético, a maioria dos dissidentes não procederia ao suicídio da ilusão comunista e seria hoje um qualquer grupo (ou vários grupos) émulo do PCI, PCF e PCE e em disputa do ceptro do futuro comunista português [defendendo uma nova utopia (a do “comunismo democrático”)] com o núcleo estalinista dos fiéis à herança de Cunhal no PCP. Via esta que foi gorada porque a implosão da perestroika arrastou não só a desagregação dos partidos estalinistas como do próprio “eurocomunismo” (atingindo, inclusive, a social-democracia de inspiração marxista, levando-a para a deriva neo-liberal). E, se assim foi, porquê exigir uma “coerência anticapitalista” aos dissidentes “eurocomunizados” e convertidos às virtudes do jogo democrático e eleitoral e da economia de mercado?
(*) A ler, como comentário e reflexão complementar, este post de Joana Lopes.
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