Durante a arrastada e acesa polémica sobre o novo aeroporto, os defensores da Ota, confundindo-se com os interessados na Ota, mantiveram-se no recato do sábio silêncio. Mário Lino fazia, por eles, as despesas todas pela opção. Com um tal denodo de irredutibilidade, em estilo exclamativamente definitivo, que os defensores da Ota, os interessados na Ota, contando com a dinâmica governamental do dito e feito, entenderam, para não terem que explicar, fundamentar e contra-argumentar coisa alguma, investimentos que implicam os ónus dubitativos de convencerem ou não convencerem. Se o Estado os amparava, para quê exporem-se? Caladinhos, pois então.
Sempre me surpreendeu este silêncio politicamente acobardado dos defensores da Ota, dos interessados na Ota. Numa forma manhosamente alapada. E enquanto crescia a desmontagem da solução Ota, nascendo como cogumelos as evidências do despesismo faraónico, mais a necessidade de se compararem alternativas, Mário Lino dava, quixotescamente, grotescamente, o corpo ao manifesto, de dislate em dislate, num arraial de incontinência verbal, como se de um ministro farsante se tratasse, a impor, a garantir, a jurar, contra ventos e marés, a solução unicista da Ota. Guerreiro otista isolado, Mário Lino gastava em verbo, teimosia opulenta e exercício canhestro do sentido de humor e das hipérboles e metáforas, resguardando, desgastando-se além do limite, o silêncio interesseiro dos otistas profundos, com mais interesses que argumentos, os do Oeste.
A estratégia deu mau resultado. Não dava para entender. E Mário Lino perdeu a sua batalha solitária contra a opinião pública. Repentinamente, uma espécie de ovo de Colombo sentou-se na mesa - Alcochete demonstrou que a solução Ota está longe de ser a evidência da boa opção, a única, a indiscutível. E tudo o que era indiscutível passou a discutir-se, ou a merecer que se finja que se discute, se avalia, se coteja. E veio a solução do estudo comparativo Ota/Alcochete pelo LNEC, um faz de conta que adia a solução por seis meses. Que, politicamente, se traduz em quatro coelhos tirados da cartola: 1) Alivia António Costa de, na peleja eleitoral pela CML, pagar o ónus da opção Ota (agora, Costa até imita Lino no gracejar, dizendo que por ele até podem construir o Aeroporto no Parque das Nações…); 2) Congela, durante a presidência da UE por Portugal, o principal erro do governo e a ameaçar estragar a festa; 3) Disfarça um conflito com Cavaco que ameaçava corroer a “convergência estratégica” entre o governo e o PR; 4) Anestesia o debate público e permite férias de exposição a Mário Lino, já atolado além do limite do desgaste político.
À manha dos defensores da Ota, os interessados na Ota, juntaram-se as manhas políticas cumulativas de Sócrates, Mário Lino, governo, PS. No pior que a partidocracia tem para nos dar. Como judiciosamente revela um tal Rui Prudêncio, vice-presidente da Federação Regional do Oeste do PS, quando, numa descarada revelação de cumplicidade com a tramóia, disse:
«A localização do novo aeroporto na Ota continua a ter viabilidade», sublinhou Rui Prudêncio, que considera que o facto do Governo ter decidido fazer um estudo comparativo entre a Ota e Alcochete para a localização da nova infra-estrutura aeroportuária «não traz inviabilidade à opção Ota».
«A decisão do ministro das Obras Públicas de promover a análise de um novo estudo permite afastar quaisquer dúvidas relacionadas com a falta de transparência no processo de decisão de construir o novo aeroporto internacional na Ota», concluiu.
Ora aqui está, para sossego dos defensores da Ota, dos interessados na Ota, a prova não requerida de que o estudo comparativo é apenas para “afastar quaisquer dúvidas” que a Ota é que é. Fazendo-nos de otários. Veremos se a partidocracia governamentalizada ainda é o que julga ser. Ou se, ao contrário, a 15 de Julho haverá uma surpresa para escangalhar tanta manha junta, sobrando a conta para Costa e o PS pagarem. Que estão a pedi-la, lá isso estão.
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