Como vão longe os tempos em que galegos aos molhos se enfiavam nas tabernas, mercearias, carvoarias e pequenos restaurantes de Lisboa para fugirem à míngua natal (numa "segunda vaga", julgando eu que a primeira foi essencialmente constituída por "aguadeiros" - venda de água pelas casas antes de ela chegar canalizada - e como estivadores e no carregamento de mobílias nas mudanças de casa). Eram sempre discretos, próximo do bisonho, esforçando-se por falar o menos possível para não se notar a fala aportuguesada carregada de “x”. E trabalhavam, trabalhavam, a amealharem para cumprirem o sonho de passarem de empregados a donos dos estabelecimentos. E quando se queria dizer de alguém que era escravo do trabalho, totalmente alienado nele, exclamava-se “trabalha que nem um galego”. Nunca foram nem compreendidos nem muito apreciados entre nós. Apesar da nossa cultura e origens comuns que só um capricho histórico separou metendo-nos o rio Minho como fronteira. Apesar de nos terem emprestado um dos seus capitalistas mais engenhosos e mais ricos (Bullosa), esse espertalhaço no negócio do petróleo que iniciou a fortuna na venda ambulante de petróleo iluminante acartado por uma mula e depois se expandiu nos teres a fornecer combustível às tropas franquistas na guerra civil dos nossos vizinhos. Apesar de terem parido não só Franco como o pai de Fidel Castro. Apesar de Santiago de Compostela. Apesar da “pescada de Vigo” e das mariscadas. Apesar do 7-0 do Celta ao Benfica. Ou por causa disso tudo.
Mas os galegos de hoje já não são os antigos galegos. Agora, comparativamente connosco, são assim:
o salário médio galego já vai nos 1240 euros, o dobro da Região Norte [de Portugal], que se fica pelos 635 euros. A taxa de desemprego da Galiza desceu para o nível mais baixo dos últimos 25 anos, enquanto no Norte [de Portugal] continua a subir e a bater recordes pela negativa.
Hoje, muito portugueses pobres e sem qualificação demandam ocupação e euros na Galiza, oferecendo-se para "trabalhar como um português". E um dia destes ainda nos vamos encontrar, reduzindo as águas do Minho a um rio de cultura interior. Sobretudo agora, em que era bom sermos galegos. Se eles não nos retribuirem em ressentimento as tantas décadas em que os menosprezámos.
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