Tendo contraditado um post do João Abel Freitas sobre a polémica dos mísseis/anti-mísseis na ponta oriental da União Europeia, saltou o Raimundo Narciso com a sua conhecida e reconhecida competência como especialista em questões militares e de defesa. Como o João Abel veio confirmar a delegação de argumentos no seu parceiro mais entendido, nosso amigo comum, é, pois, com o Raimundo Narciso que me tenho de entender (como reparto estima e admiração por ambos, é com absoluta benevolência que assisti a esta “troca de cadeiras”). Embora sem méritos de competência técnica idênticos aos seus e sem dispor de cábula soprada pelos únicos que, em Portugal, pedem meças ao Raimundo Narciso nesta matéria de rara especialização – Nuno Rogeiro e Loureiro dos Santos. Mas quem não tem gato caça com rato, recorrendo a uma pequena habilidade desde já confessada – deslocar-me para a discussão política.
1) É evidente que o RN sofre de “sovietismo do tempo da guerra fria” (curiosamente, de espécie mais “dura” que a que foi expressa ontem pelo “Avante”). Numa imutabilidade em que Putin e a actual Rússia mantêm por herança os lugares intocáveis de culto e afecto quando eram protagonistas de outras eras, pelo menos em comparação com o “Imperador do Mal”. E, por acréscimo, mantem a diabolização (muitas vezes, pelo silenciamento das qualidades dos estados-membros) da NATO (agora … desnecessária) e uma visão teimada na separação conflitual Europa / Estados Unidos (visão de maldição dicotómica que esquece que a Europa precisou dos Estados Unidos para vencer as vontades imperiais alemãs na I e na II Guerras Mundiais e para se libertar do domínio comunista). Este sovietismo persistente, na sua parte mais inquietante, vai ao ponto de continuar a colocar os antigos países sob “socialismo real” numa espécie de inibição nas suas políticas de alianças, como se as décadas de domínio soviético lhes ficassem agarradas à pele como eterna condicionante geoestratégica. Assim, o facto de estados soberanos definirem as suas posições no quadro da NATO, se elas irritarem a Rússia, transforma-os em “vítimas da síndrome anti-soviética naturalmente transferida para a Rússia são por razões históricas presas fáceis de nova satelização e prestam-se mais que outros e por baixo preço, a ser peões americanos na União Europeia”. Mas como o que antes daria direito a invasão e hoje nem tanto, desvalorize-se este espiche xenófobo relativamente a estados e povos libertos da “soberania limitada” definida por Brejnev e falida definitivamente vai para quase vinte anos.
2) O argumento mais fantástico de RN para advogar inibições da Polónia e da República Checa em implantarem sistemas defensivos anti-mísseis que ofendam Putin (a Alemanha possui-os e tal não é questionado) é que “foi esta [União Soviética] com Gorbatchov, que facilitou a descolonização da Europa de Leste”, o que é absolutamente risível. Com que então, uma implosão partilhada, dá direito a dívidas de gratidão do pequeno implodido para com o grande implodido? Oh meu amigo…
3) No fundo, o mais interessante neste imbróglio é que o mais certo é, afinal, Bush e Putin se virem rapidamente a entender sobre a crise aberta (como isso induz as conversações bilaterias ocorridas paralelamente à reunião do G8). Aqui sim, como nos velhos tempos. E, infelizmente, com a Europa a fazer pouco mais que a assistir ou tão somente a fornecer a sala de reuniões. Passando ao anedotário as partes gagas de Putin mandar a NATO utilizar o Azerbeijão em vez da Polónia e da República Checa, com a Letónia a perfilar-se como sucedânea nas barbas russas postas de molho no Báltico.
4) Reconheço e sublinho que o RN partilhou comigo não termos ido na patranha da “defesa contra o Irão e a Coreia do Norte”, mal enfiada neste caso. E ambos não termos ido neste falacioso argumento de Bush, é uma boa forma de se celebrar o final desta conversa. Muito gostaria de ter RN também a partilhar uma visão menos soviética (agora na variante russófila). Mas, como sobre coisas tão perigosas quanto os mísseis, um acordo que seja, mesmo minimalista, é sempre digno de nota.
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