As feridas abertas pelo fiasco da última “greve geral” vão demorar a sarar. Sobretudo porque quem a impôs está longe de ter o hábito de reconhecer erros e confessar derivas aventureiras em que a realidade é substituída pela satisfação dos ímpetos. Assim, o mais provável é que se tente apagar a evidência do desaire (que era mais que previsível) com uma barreira de pequenos êxitos parciais e localizados mais o empolamento das “coacções” que terão impedido o êxito absoluto e retumbante. Porque “não se pode prejudicar o partido” nem “a central sindical” e muito menos “fazer o jogo da reacção”, eufemismo este que designa um leque vasto que vai do governo ao patronato, passando pela UGT. Basta esperar os comunicados de balanço da “greve geral” a serem proximamente emitidos pelo Conselho Nacional da CGTP e pelo CC do PCP. Lá estarão expostas as peneiras candidatas a tapar o sol das evidências. O costume.
O Bloco de Esquerda que convive com o PCP na CGTP, embora numa posição ultraminoritária, aproveitou o seu congresso do passado fim-de-semana para sacudir a água do capote ao desmontar a falácia desta pseudo “greve geral”. O que só veio acirrar os rancores da maioria de controlo que, em qualquer circunstância, só canta sucessos e vitórias em crédito de amanhãs redentores. E as reprimendas ao Bloco não tardaram da parte de Jerónimo de Sousa:
O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, acusou ontem o Bloco de Esquerda de ter "uma deriva social-democrata".
(…)
A greve geral, afirmou, "não foi nada por invenção da CGTP ou do PCP, mas foi por necessidade objectiva dos trabalhadores portugueses", garantiu Jerónimo de Sousa.
O primeiro parágrafo transcrito deste puxão de orelhas é sintomático de revelação da sintaxe partidária do PCP na sua relação instrumental com o movimento sindical. Como ser-se ou não “social-democrata” (epíteto condenatório usado para calar ou afastar alas em intra-dissonância dentro das fileiras “revolucionárias” do PCP, na velhíssima dicotomia que baliza a “firmeza ideológica”) fosse critério de avaliação para uma componente de um movimento social (o mundo sindical) ou para um outro partido não subordinado. O segundo parágrafo transcrito é ainda pior, na medida em que alija responsabilidades para o campo do abstracto (“os trabalhadores portugueses”). Como se a decisão voluntarista da realização desta “greve geral” tivesse sido imposta ao PCP e à CGTP, por obra e graça do espírito santo, por uma qualquer “necessidade objectiva” caída desamparada em cima dos conciliábulos sindicais. Mas, mais uma vez, nada melhor se pode esperar de aventureiros profissionais encartados de revolucionários com os pés fora do mundo da realidade.
De qualquer forma, o mais grave nesta luta pífia denominada de “greve geral”, está muito para além da chicana partidária alinhada com a desresponsabilização política dos actos praticados (e aqui pinga para o lado do PCP como para a banda do Bloco que só se descolou da "greve geral" depois e porque ela foi um fracasso). O pior é que esta derrota, ampliada por não se assumirem nem se corrigirem os crassos erros de procedimento, avaliação e decisão, ocasiona não só um retrocesso do já debilitado sindicalismo (está nos “livros do sindicalismo” que uma greve falhada – a greve é uma ferramenta de luta a utilizar como último recurso e em condições que lhe sejam favoráveis – representando sempre um retrocesso difícil e moroso de recuperar), como proporciona ao governo e ao patronato um álibi formidável para a continuação de práticas de insensibilidade e desprezo social. Além de que, minguando a margem da resposta social na sociedade civil, aumenta o espaço de manobra para o florescimento do “centrão”. E, como diria Jerónimo, o vento soprará mais a favor da “deriva social-democrata”.
Imagem: Jerónimo, o bem aventurado entre grevistas (da capa do último “Avante”)
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