Seria crítico para a democracia portuguesa que se verificasse um qualquer retrocesso nas garantias para o pleno exercício dos direitos sindicais, incluindo o sacro direito à greve. Felizmente, não está no horizonte político visível qualquer panorama que condicione o princípio destas conquistas democráticas basilares no nosso regime.
Mas a qualidade do exercício destes direitos, até pela autonomia que é apanágio teórico-estruturante da prática sindical, para além dos efeitos das dinâmicas que contrariam a afirmação dos direitos dos trabalhadores (pelo patronato, pelo Estado, pelas forças retrógradas que gostariam de domesticar o mundo laboral), depende da forma como o sindicalismo realiza a praxis dos direitos sindicais. Porque nem todo o anti-sindicalismo é exógeno ao movimento sindical e este pode ser tentado a actos suicidários.
Esta última greve geral, este monumental fiasco de greve geral, pode ter representado um forte contributo da CGTP não só para o descrédito da significância da componente sindical na sociedade civil como, desqualificando o uso do direito à greve, uma oferta de bandeja aos que pretendem rebaixar o exercício dos direitos sindicais. Adicionando ainda, para os trabalhadores, um ónus de pessimismo acrescentado quando às possibilidades de, por via colectiva e de classe, sindicalmente, protegerem os seus direitos e melhorar as degradadas condições de trabalho. Provavelmente, se a democracia sindical funcionasse no seio dos Sindicatos (em vez do contumaz centralismo democrático), os dirigentes da CGTP estariam agora de cabeça baixa a suportar a forte crítica dos sindicalizados pelo mal que fez ao sindicalismo português esta acção voluntarista mal amanhada e cujas justificações, objectivas e subjectivas, se resumiram a pouco mais que cumprir a agenda política do PCP. Também pelo bónus oferecido ao governo PS/Sócrates na forma de descrédito da contestação.
A fusão acelerada PCP/CGTP, em marcha desde que Jerónimo de Sousa é SG do PCP, veio, como era previsível, plantar eucaliptos na mata em crise, por envelhecimento e pela reprodução de chavões de dogmatismo social, do sindicalismo português, secando-a. Foi mais que visível que a greve geral foi imposta pelo PCP à CGTP e que toda a dinâmica de mobilização para a greve se processou num quadro de militância partidária (como o “Avante” e os discursos de Jerónimo fartamente ilustraram), tentando substituir a realidade pelos desejos de alimentar uma dinâmica revolucionária que contrarie as opções resultantes do voto popular (ainda e sempre o mesmo conflito nunca resolvido pelo PCP entre a dinâmica revolucionário e a dinâmica eleitoral e que vem das mitologias teorizadas por Cunhal durante o PREC). E só na última semana antes da greve, em disfarce de última hora e por desespero face ao fracasso á vista, se viu o PCP recolher-se um pouco para bastidores, enquanto fazia o “trabalho de casa” nas suas células, dando a ribalta da propaganda e da mobilização aos dirigentes da CGTP, tentando pintar a greve de acto sindicalista.
Dramático e patético foi o papel de Carvalho da Silva, quase de merecer pena. A sua energia mobilizadora e lutadora da ponta final, ele que foi obrigado contrariado a alinhar na greve imposta, foi uma triste representação de quem tenta salvar a face perante o inelutável e inevitável, esgravatando energias de sublimação, numa patética “fuga para a frente”. Dramático ainda porque sabendo-se que o PCP espreita a hora para o afastar da liderança da CGTP, este fracasso, que debalde tentou evitar e depois foi forçado a ter de representar o papel de seu mobilizador mor, e assim ser o principal responsável quanto aos resultados, este mesmo fiasco pode ser um motivo extra para consumar e acelerar o seu afastamento, numa espécie de “25 de Novembro sindical”.
Finalmente, uma última ilação incontornável: a CGTP está perante um paradoxo na sua natureza sindical. Definindo-se pelo sindicalismo de classe, com uma componente directiva e discursiva fortemente obreirista, dogmática no vanguardismo proletário, acaba por se ver reduzida a uma federação congregadora de trabalhadores de serviços públicos, em que a maioria do operariado do país lhe passa ao lado. Vivendo do Estado, o Estado-patrão, o Estado capitalista, na exacta medida em que o seu poder de mobilização se esgota em parte da área dos assalariados dos serviços das administrações públicas central e local.
Há dois anos,aproximadamente,15/07/05 fiz greve,
em solidariedade com colegas dos meus serviços
que estavam com vínculos precários.Navespera(14)
havia bastantes que dizam ir exercer aquele direito.
Fiquei "lixado"só eu e um veterinário,num universo de três dezenas,fizemos greve.Fiquei vacinado.
Só,por absurdo,estiverem em causa liberdades fundamentais,entrarei noutra e,aí prá "porrada" se
necessário.
Abraço
Discordo. Se por decisão própria, se resolver fazer greve, o que interessam os outros, excepto quanto aos efeitos? Fiz muitas vezes greve sózinho. E muitos, á minha volta, baldavam-se com a de "só faço se fizerem todos" que não era mais que uma forma de transferir a decisão de não fazer. Tenho para mim que a consciência não se partilha. E essa da "porrada" lembram-me os que, antes, não iam à manifestação nem distribuíam panfletos dizendo "Dêm-me uma G3, aí sim, vamos a eles", naturalmente confiando que a paseudo desejada G3 nunca aparecesse. Abraço.
Apenas o enfoque na parte final do seu texto, onde , e a meu ver, seria necessário explicitar, que a maioria dos assalariados do estado, são os que ainda gozam de alguma liberdade para se manifestar, para expressar opiniões. Nas empresas privadas isso é impossível, em Portugal, a maioria dos empregadores são contra a liberdade, contra a opinião, contra a defesa dos direitos dos trabalhadores. É quase impossível ser sindicalista numa empresa privada! Para o patronato português existem deveres, nunca direitos. Veja-se grande parte das posições assumidas pelas posições das confederações patronais. É impossível aos trabalhadores fazerem valer as suas posições pela via do diálogo, o último e único é a via legal, que como se sabe...
Obrigado pelo contributo mas não concordo nada com essa justificação para a não luta ou não vontade de lutar. É como as justificações das não adesões pelas coacções. A coacção só resulta se for fraca a vontade de lutar. Aliás, já se lutou, e muito, em condições bem piores que as actuais. Se o direito à greve é sagrado e constituicional, porque é que se chama coacção, pressão e intimidação um trabalhador declarar, assumindo-o, que está em greve? Se tivesse havido motivação grave de descontentamento generalizado, e não uma martelada imposição partidária de marcar uma greve que tinha de ser antes das férias, ela tinha sido geral. Assim, o malvado patronato tem as costas largas para desculpar a não vontade. Com o governo e o patronato a marcarem mais trunfos com uma greve flop que se não tivesse havido greve alguma.
De
JMC a 1 de Junho de 2007
Estas desculpas esfarrapadas das coacções... Então a vida não é a lutas das classes? E estas não são adversárias (ou inimigas, como diz o PC)? Dos adversários (ou dos inimigos) espera-se fair play e palmadinhas nas costas ou jogo duro e sujo?
A greve é um direito que os trabalhadores usam contra o patronato; causando-lhe perturbação na produção e prejuízo no lucro faz-lhe pensar duas vezes, levando-o a negociar ou a ceder às reivindicações.
A greve política também se entende, nomeadamente quando os trabalhadores pretendem opor-se a qualquer medida do governo que os afecte.
As greves parciais, por empresa e por sector, são muito mais motivadoras, porque as reivindicações são muito mais facilmente perceptíveis e defendidas, do que as greves gerais, que não tomam esta designação apenas pelo universo dos trabalhadores mas também pelo carácter mais geral das reivindicações.
Num ou noutro caso, porém, a greve é uma forma de luta que os trabalhadores devem usar quando estejam dispostos a lutar pelas suas reivindicações. Sindicato que promova esta forma de luta sem auscultação da vontade e da motivação dos trabalhadores e sem trabalho de mobilização dos receosos e dos indecisos arrisca-se a que greve seja um fiasco. Porque os Sindicatos não são os dirigentes e os funcionários, mas os trabalhadores unidos e solidários.
A concepção que o PC tem do sindicalismo e dos sindicatos pouco tem a ver com o reconhecimento de que eles são instituições dos trabalhadores, com a defesa dos seus interesses e com a sua vontade. O sindicalismo é entendido como sindicalismo revolucionário, sob o eufemismo de sindicalismo de classe; os sindicatos são considerados sucursais do partido, que este dirige segundo o interesse que a “luta de massas” tenha como contrapeso da sua fraca representatividade política, à revelia dos interesses e da vontade dos sindicalizados, e à imagem do partido são organizações burocráticas desligadas das massas.
Ao decretar uma greve geral sem qualquer auscultação do sentir das massas trabalhadoras, sem qualquer indicação segura de que os trabalhadores estariam dispostos a ir para esta forma de luta (extrapolando erradamente a vontade dos trabalhadores através da sua participação massiva em manifestações), numa situação de grave refluxo e de acentuada perda de força reivindicativa do movimento sindical, o PC cometeu mais um tremendo erro político. Com ele comprometeu ainda mais o já descredibilizado sindicalismo português, do qual os trabalhadores se têm vindo progressivamente a afastar, com todas as nefastas consequências daí derivadas. Ou os trabalhadores portugueses tomam conta dos seus sindicatos, tornando-os verdadeiramente independentes dos partidos, ou continuarão bem lixados.
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