Quinta-feira, 17 de Maio de 2007

NOUTRA IGREJA, A DOS CATÓLICOS

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Lançados pela mesma editora, num curto espaço de tempo de intervalo, com o mesmo formato e idêntica linha gráfica das capas, o livro de Joana Lopes sobre a luta dos católicos progressistas no tempo do fascismo (*) e o de Raimundo Narciso sobre a “dissidência da terceira via” quase se confundem nos escaparates das livrarias. Depois, atentando bem nas capas, numa resplandece Cunhal e na outra os “salazares” multiplicam-se como se fosse uma montra de capelista. Mas lendo-os, as sensações de semelhança regressam à tona – estão lá as “igrejas” e as suas ovelhas tresmalhadas, ambas com algumas missas estragadas e depois recompostas, confirmando as enormes semelhanças entre comunismo e catolicismo.

 

O livro de Joana Lopes, que viveu como militante católica antifascista as peripécias da erupção e acção corajosa dos católicos progressistas portugueses contra o Estado Novo e o enfeudamento da Igreja Católica ao regime, é um notável documento testemunhal sobre uma forma de luta, talvez das mais esquecidas e menos valorizadas, no quadro da Resistência. Lendo as peripécias, feitos e falhanços daqueles católicos que, influenciados e impulsionados pela sua “glanost” (no caso deles, o Concílio Vaticano II), pretenderam forçar um outro olhar cristão sobre a sociedade, a fractura no cimento do “fascismo catolicista”, essa essência ideológica do fascismo à portuguesa, e pela democracia e pela liberdade, com ênfase particular na denúncia da guerra colonial, sentimos a par e passo a evidência, em termos de luta política e se comparada com a que era feita pelos “revolucionários profissionais”, constantes toques de ingenuidade, amadorismo e um romantismo muito pueril em busca constante de suportes teológicos que abrissem brechas no dogmatismo da aliança sólida e consolidada entre Salazar e Cerejeira. E, no entanto, que força essa, espiritual e determinada, que levou esse punhado de activistas que não entendiam que a ditadura coubesse nos evangelhos! Como mérito maior, o livro de Joana Lopes, além do valor do seu contributo histórico, permite um olhar múltiplo para os diversos caminhos da resistência à ditadura enquanto demonstra também que, afinal, nos últimos tempos da ditadura (a partir da década de 60), a Igreja, sobretudo católicos leigos mas também vários sacerdotes, estava longe de ser um bloco monolítico de suporte do regime. Também ali, o fascismo português ia apodrecendo.

 

Pensando na herança desta luta dos católicos que foram capazes de dizer não, lá vem a pecha sistemática de quase todas as dissidências: a falta de sinais de continuidade e de herança. De facto, onde está hoje na Igreja a herança do percurso glorioso dos hoje venerandos e reformados “católicos progressistas”? Deixo as respostas para os directamente interessados nesta "missa".

 

(*)“Entre as brumas da memória – os católicos portugueses e a ditadura”, Joana Lopes, Editora Âmbar.

Publicado por João Tunes às 16:41
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4 comentários:
De mjoanalopes@gmail.com a 17 de Maio de 2007
Obrigada, caro João, pela atenção prestada ao meu livro.
A semelhança gráfica com o do RN é óbvia: mesma editora e mesma colecção, resultantes da abertura para estas excentriciddes de um excelente editor (Nelson de Matos) que, entretanto e infelizmente, já deixou a Âmbar.
Quanto ao que pergunta sobre à herança destes progressistas na Igreja de hoje, é uma questão muito complexa, na qual não me quero meter porque eu própria tenho grandes dificuldades em entendê-la...
De Paulo Santiago a 17 de Maio de 2007
A pergunta que fazes no fim do teu post,também a
faço a mim próprio.Penso que a Igreja regrediu,a
Cúria tenta acabar com o Vaticano II,os leigos
progressistas parece que desapareceram,continuando
a haver causas importantes por as quais é preciso
lutar.Havia personagens de referência:o enorme
D. Helder Câmara,Bispo de Olinda e Recife,o assassinado D.Óscar Romero,o Abbé Pierre,os Padres
Brancos e D.Vieira Pinto em Moçambique,enfim grandes católicos e grandes homens já desaparecidos.
Voltaram a aparecer os fundamentalistas"cursos de
cristandade"
Mas,continuo a acreditar,também sou Igreja.Melhor,
sou um anarca católico.
Um abraço
Paulo
De M.C. a 18 de Maio de 2007
Meu caríssimo, João. Boa comparação entre o comunismo e o centralismo católico. São assuntos muito complicados e profundos para dialogar.

Aqui, na sua caixinha de comentários, deixo o desabafo em relação a uma carta que recebi esta semana assinada por um padre (jovem) responsável por um serviço na Igreja e que, apenas acabada de ler, a desfiz em mil pedaços e deitei no lixo como se me queimasse as mãos. Mais do que as mãos, a alma, como é fácil de supor.

Quando aconteceu o 25 de Abril, eu era uma adolescente e os métodos e as consequências da ditadura fui conhecendo depois.

Não é que a porcaria da carta (circular) era um espelho perfeito de tudo isso?

Fiquei tão chocada que ainda não tive coragem de a comentar com ninguém.

De João Tunes a 18 de Maio de 2007
Para o Paulo e a Maria Conceição, sendo católicos desinibidos, têm todas as razões para não deixarem de ler o livro da Joana Lopes. Ele conta a odisseia dos que quiseram ser católicos limpos num tempo muito difícil para o ser. Com o senão, também partilhado em cima pela autora, de induzir perplexidades de hoje, sem o casamento entre a Igreja e o Regime, serem menos audíveis as vozes por uma fé limpa do serviço aos poderosos e autoritária nos seus procedimentos internos.

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