Lançados pela mesma editora, num curto espaço de tempo de intervalo, com o mesmo formato e idêntica linha gráfica das capas, o livro de Joana Lopes sobre a luta dos católicos progressistas no tempo do fascismo (*) e o de Raimundo Narciso sobre a “dissidência da terceira via” quase se confundem nos escaparates das livrarias. Depois, atentando bem nas capas, numa resplandece Cunhal e na outra os “salazares” multiplicam-se como se fosse uma montra de capelista. Mas lendo-os, as sensações de semelhança regressam à tona – estão lá as “igrejas” e as suas ovelhas tresmalhadas, ambas com algumas missas estragadas e depois recompostas, confirmando as enormes semelhanças entre comunismo e catolicismo.
O livro de Joana Lopes, que viveu como militante católica antifascista as peripécias da erupção e acção corajosa dos católicos progressistas portugueses contra o Estado Novo e o enfeudamento da Igreja Católica ao regime, é um notável documento testemunhal sobre uma forma de luta, talvez das mais esquecidas e menos valorizadas, no quadro da Resistência. Lendo as peripécias, feitos e falhanços daqueles católicos que, influenciados e impulsionados pela sua “glanost” (no caso deles, o Concílio Vaticano II), pretenderam forçar um outro olhar cristão sobre a sociedade, a fractura no cimento do “fascismo catolicista”, essa essência ideológica do fascismo à portuguesa, e pela democracia e pela liberdade, com ênfase particular na denúncia da guerra colonial, sentimos a par e passo a evidência, em termos de luta política e se comparada com a que era feita pelos “revolucionários profissionais”, constantes toques de ingenuidade, amadorismo e um romantismo muito pueril em busca constante de suportes teológicos que abrissem brechas no dogmatismo da aliança sólida e consolidada entre Salazar e Cerejeira. E, no entanto, que força essa, espiritual e determinada, que levou esse punhado de activistas que não entendiam que a ditadura coubesse nos evangelhos! Como mérito maior, o livro de Joana Lopes, além do valor do seu contributo histórico, permite um olhar múltiplo para os diversos caminhos da resistência à ditadura enquanto demonstra também que, afinal, nos últimos tempos da ditadura (a partir da década de 60), a Igreja, sobretudo católicos leigos mas também vários sacerdotes, estava longe de ser um bloco monolítico de suporte do regime. Também ali, o fascismo português ia apodrecendo.
Pensando na herança desta luta dos católicos que foram capazes de dizer não, lá vem a pecha sistemática de quase todas as dissidências: a falta de sinais de continuidade e de herança. De facto, onde está hoje na Igreja a herança do percurso glorioso dos hoje venerandos e reformados “católicos progressistas”? Deixo as respostas para os directamente interessados nesta "missa".
(*) – “Entre as brumas da memória – os católicos portugueses e a ditadura”, Joana Lopes, Editora Âmbar.
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