Em véspera de mais um 13 de Maio na Cova da Iria, já com os peregrinos a caminho (alguns guiando-se num mapa de percurso oferecido e em que se incluem alguns anúncios de temperos sexuais para desenjoarem de excesso de devoção casta), é oportuno recordar o forte impacto político que teve um outro 13 de Maio, o de 1967, em que o Papa Paulo VI se deslocou ao Santuário de Fátima já na fase terminal do salazarismo (Salazar iria cair da cadeira passado um ano).
Mais que o impacto religioso, esta visita papal a Fátima teve um enorme reflexo político num país em que o catolicismo era o principal suporte ideológico do regime e se estava a entrar na “fase cansada” da guerra colonial, abrindo-se brechas no mundo católico português com a emergência da facção dos “católicos progressistas”. Salazar detestava Paulo VI depois de o Papa ter visitado Bombaim a seguir à ocupação indiana de Goa, Damão e Diu. O Papa não se queria comprometer demasiado com um regime isolacionista e detestado no mundo, especialmente em África e na Ásia onde a Igreja Católica se procurava afirmar. As movimentações políticas e diplomáticas à volta desta visita foram intensas e atingiram, até, um clímax de dramatismo. No final, o regime acabou por reverter em seu favor o impacto simbólico da vinda de Paulo VI a Fátima (Paulo VI acabaria por tentar equilibrar posteriormente a associação da Igreja com o fascismo e colonialismo português, ao receber em Roma os movimentos africanos anticoloniais). Mas, simbolicamente, a mancha maior de condescendência desastrada (embora contraditória) de Paulo VI para com o regime de Salazar haveria de chegar no rescaldo da visita quando o Vaticano atribuiu uma das suas mais altas condecorações a Silva Pais, director da PIDE, como agradecimento à segurança que aquela polícia havia prestado durante a visita papal (!!!).
A não perder a leitura de um impressivo texto de quem viveu, ficando com um travo de derrota, as movimentações dos “católicos progressistas” nos bastidores desta visita papal de 1967, tentando impedir o absoluto aproveitamento pelo salazarismo da peregrinação do então chefe do Vaticano.
Imagem: Paulo VI com a freira Lúcia em Fátima, 1967.
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