Só é de realçar a forma persistente, lúcida e documentada como o Nuno Guerreiro nos traz à memória essa “nossa” vergonha da matança de judeus que ressoa a história dessa intolerância de que também fomos feitos como povo e que está agarrada à pele e ao osso do domínio da cristandade em Portugal.
A efeméride é sobretudo oportuna quando hoje se assiste a essa eruptiva mas não estranha solidariedade de oportunidade entre os herdeiros dos velhos frades ateadores de fogueiras católicas para queimar bruxas e judeus para com os novos fundamentalistas islâmicos da bomba e da “burka”, sob o disfarce da cumplicidade eucuménica, levando a água ao moinho da luta contra o relativismo, o laicismo, o ateísmo e a interrupção voluntária da gravidez. Ou seja, demonstrando que os obscurantismos, o velho e o novo, sempre se entendem. Cedo ou tarde, mas um dia e a certa hora, até que o rebanho engorde e seja trato reparti-lo.
Sobre o apelo do Nuno Guerreiro para que no próximo dia 19 de Abril, no Rossio em Lisboa, se acendam quatro mil velas evocativas dos mártires da intolerância católica, digo, com o maior respeito para com os eventuais celebrantes, até lhes desejando os maiores sucessos, que lá não estarei. Não por discordância mas pela simples razão que, não sendo católico nem judeu, não me sinto com direito a intrometer-me em ajustes de contas históricas entre intolerâncias alheias. Além de que me dou mal, por fraqueza de pulmão consumido pelo tabaco, com o cheiro de cera queimada. E quatro mil velas, admita-se, é muita cera.
bom dia, vejo que regressou, ainda bem :)
e também não estarei lá.
De
ana a 11 de Abril de 2006
Viva, é bom "vê-lo" de volta.
Não vou acender vela no Rossio, que nessa ocurrência eu não tive culpas. Assim, não peço desculpas.
Mas vou ler esta postagem toda, que as férias deixaram-no muito inspirado, João.
A Paixão de Israel
Como Cidadão do Mundo, e, particularmente, como exilado interno lusitano, venho, através deste texto, associar este blogue a um dos momentos mais negros da nossa História Nacional.
Como está largamente documentado na Rua da Judiaria, celebram-se, no dia 19 de Abril, os 500 anos do infame massacre perpetrado pelos nossos antepassados sobre os antepassados dos nossos concidadãos de credo judaico. Um pouco por todo o lado se pede que nos associemos, e nesse dia acendamos, no Rossio, uma vela evocativa. Contudo, mais importante do que essa vela, convém que saibamos reacender a vela de uma memória interior.
Não me vou ater aqui a pormenores históricos, estão devida, e lapidarmente, descritos na Rua da Judiaria: em 1506, terão, por alto, sido chacinados e queimados vivos cerca de 4 000 dos nossos compatriotas, mais do que compatriotas, vizinhos de Lisboa, tão-só por uma diferença de credo, algumas referências de texto, e diferentes denominações daquele deus único dos 3 Monoteísmos.
Quando me falam de Judeus, de Cristãos e de Muçulmanos, imediatamente me acorre à ideia o Califado de Córdoba, onde, nos tempos intermédios da Reconquista, essas três religiões se uniram, para dar lugar a uma das mais espantosas florações culturais da Península, onde os pensares eram comuns, as sinagogas moçárabes, os príncipes cristãos versados nas línguas mouras, o filosofar árabe assimilado por todas as teologias, e as Igrejas de Cristo um lugar de cultos partilhados. Tudo o resto foi, depois, uma mera sombra cultural.
Portugal, país ingrato, mostrou-se sempre exímio em mutilar as suas melhores cabeças: num tempo de acolhimento, começou por juntar os restos dos perseguidos Templários com o ancestral Saber Judeu. Daí terá resultado a nossa única epopeia, a dos Descobrimentos, até que príncipes mal aconselhados, ao sabor das conveniências, resolveram substituir a Convivência pela Intolerância, obrigando ao exílio, à mentira da pele de uma religião forçada (o que é um cristão-novo, senão mais uma alma humilhada?...), e, por fim, a essa indesculpável hecatombe, iniciada em 19 de Abril de 1506.
Toda a nossa épica sucumbe nessa forçada Segunda Diáspora, onde as melhores mentes judaicas acabaram por levar o seu saber para as terras da tolerante Holanda, tornando-a na nova potência, que rapidamente substituiu o soçobrado Império Português.
Faz parte da cruz judaica a régua de dois saberes: 1) a de que mais tarde, ou mais cedo, ele será perseguido; 2) a de que, posto que essa perseguição inexoravelmente virá, lhe convém estar, ao máximo, preparado para ela. Isto gerou Judeus ricos, e Judeus sábios, e à volta disto, semeou-se sempre uma infindável história de mal disfarçadas invejas.
Quando ligo a televisão, tudo o que sinto de repulsa pelo presente xadrez de ódios do Próximo e do Médio Oriente consegue estender-se até esse dia de há 500 anos atrás. Dir-se-á que estão distantes, e que são povos que nos são quase alheios; todavia para quem invoca, repetidamente, o lema do país dos brandos costumes, relembro que esses bárbaros de há meio milénio atrás, também foram nossos antepassados, ou, por palavras outras, para que conste, que todos nós, Portugueses de hoje, deles descendemos, e descendemos em linha directa de culpa.
De Ricardo Diz a 21 de Abril de 2006
Há muito que penso assim e é bom pensar que não estou sozinho...
Infelizmente penso que ainda se diz pouco...
Ainda mais infelizmente, considero que a mentalidade medíocre de há 500 anos atrás se enquistou e continua a fazer estragos...
Os Pogroms continuam hoje, não necessariamente aos judeus, mas sempre aos melhores de nós...
Que continuarão a partir ou a viver escondidos, mas sempre perseguidos...
Por isso mesmo a memória é importante, mas deveria constituir o ponto de partida, não só do arrependimento, mas principalmente de se aprender com os erros e mudar mesmo de caminho.
Por isso mesmo, os medíocres se levantam logo em oposição a qualquer iniciativa que ponha em perigo a verdadeira Rainha de Portugal: a mediocridade.
Cada vez tenho menos esperança que a situação se possa alterar, mas por isso mesmo, não posso deixar de saudar a coragem daqueles que acreditam e seguem, apesar de tudo, em frente.
Bem hajam, porque há lutas que mesmo que não sejam as vitoriosas são decerto as correctas...
Um abraço
Ricardo Diz
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