O combate político, seja ele qual for e pelo que for, não justifica que se apliquem pontapés na história.
Por exemplo, esta tirada do estimado Tomás Vasques
Recordam-se do 1º de Maio de 1975? O PCP, com Álvaro Cunhal à cabeça, apodera-se, no bom estilo estalinista, como quem está à beira de tomar o poder, da manifestação no estádio do INATEL e impede Mário Soares e os socialistas que o acompanham de chegar à tribuna.
é uma visão parcial e partidarista dos incidentes ocorridos no 1º de Maio de 1975. E, neste sentido, é uma deturpação. Desnecessária, como qualquer outra. Tanto mais que reescrever a história devia continuar como apanágio exclusivo de quem disso necessita. Ou seja, quem não prescinde, porque não pode prescindir, de meter a propaganda laudatória no lugar dos factos.
Obviamente que a organização do 1º de Maio de 1975 estava manipulada e controlada pelo PCP, pela CGTP e pelas chamadas alas militares “gonçalvista”e “esquerdista”, pretendendo formalizar a subalternidade dos socialistas, nomeadamente impedindo que a sua expressão eleitoral se reflectisse em influência laboral e expressão sindical. Mas os “incidentes” resultaram, na génese, de um plano da direcção do PS para provocar o confronto nesse dia, ajudando a separar águas entre os partidos que estavam no palco da revolução ao lado do MFA. O que aconteceu dentro do Estádio 1º de Maio foi um desfecho, um culminar, uma consequência ou um epílogo, da investida com desacatos dos militantes socialistas, numa acção organizada, vinda e enxertada na organização do desfile (*). Aliás, o Conselho da Revolução, perante a gravidade das ocorrências, concluiu por unanimidade (ou seja, todos os representantes de todas as alas do MFA) que a responsabilidade maior pelos desacatos foi o comportamento do PS nestas comemorações. E o CR não só se pronunciou neste sentido como, na mesma linha, acelerou a malfadada institucionalização da “unicidade sindical” (**).
Se o 1º de Maio de 1975 era, para a “esquerda revolucionária” (civil e militar), uma etapa na consolidação da unicidade sindical e uma desforra, pela via das “massas”, dos resultados eleitorais de 25 de Abril de 1975, o PS, então impante da sua expressividade eleitoral acabada de manifestar, decidiu ir para as comemorações com o fito de as combater, sabotando-as e provocando incidentes (que bem podiam ter redundado numa tragédia) que marcassem duas linhas em confronto. Não adianta pois, nem disso a história do combate do PS contra a revolução e pela democracia necessita, pintar o quadro vitimista e simplista de uns pobres coitados pacatos que levaram uns empurrões e não os “deixaram chegar à tribuna”. A reposição dos factos e a assunção das respectivas responsabilidades em nada diminui, aliás, a importância “contra-revolucionária” da acção violenta do PS, reconhecer a determinação e coragem física daquela "força de choque PS" e o eventual contributo positivo, no sentido da salvaguarda da democracia e da falência da via pelo poder vanguardista revolucionário, que esta acção organizada pelo PS se revestiu e que deve ser vista agora sob benefício da distância na apreciação histórica, sem a ganga da deturpação/manipulação dos factos.
(*) – Não sei se o caro Tomás Vasques esteve neste 1º de Maio. Eu estive lá desde o início, quando se começou a organizar o desfile, e ocorreu junto a mim, então simples manifestante pró-CGTP, na Praça do Areeiro (junto às “Chaves do Areeiro”), a vinda da “força de choque socialista”, proveniente da Praça do Chile [foi ali que se concentraram, à parte e com antecedência (13 horas), as hostes socialistas, como o comprova o cartaz do PS na imagem], que irrompeu para conquistar, à força e com violência, a cabeça da manifestação e provocar distúrbios, desorganizando o desfile. Reconheci um dos chefes da “força de choque socialista”, Pedro Coelho (então dirigente do PS), que eu conhecia de andanças comuns da campanha da oposição em 1973. Tentei falar-lhe e apelar a um entendimento que evitasse confrontos. Debalde. A coisa estava organizada e era para ser levada até aos seus objectivos (sabotar a comemoração, transformando-a em "granel maniqueísta" a explorar).
(**) Os dois livros publicados sobre a Revolução da autoria da historiadora Maria Inácia Rezola, que julgo insuspeita de parcialidade, são claros sobre os factos que pintaram os confrontos entre as vias revolucionária e eleitoral no período 1974-1975, incluindo os incidentes do 1º de Maio de 1975.
-----------
Adenda:
O Tomás Vasques exerceu o contraditório. Confesso que esperava melhor (quanto à substância). Mas quando diz “Não presenciei os factos com estes olhos que a terra há-de comer. Aliás, como escrevi aqui.” e o “aqui” é um post sobre a sua vivência entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Maio de 1974, quando o 1º de Maio tratado foi o de 1975 (!), um ano depois, tudo se aclara: numa pessoa com tamanho handicap para lidar com datas, percebe-se o arrepio perante qualquer “verdade histórica”, a dos factos e das suas circunstâncias. Adiante.
OS MEUS BLOGS ANTERIORES:
Bota Acima (no blogger.br) (Setembro 2003 / Fevereiro 2004) - já web-apagado pelo servidor.
Bota Acima (Fevereiro 2004 a Novembro 2004)
Água Lisa 1 (Setembro 2004 a Fevereiro 2005)
Água Lisa 2 (Fevereiro 2005 a Junho 2005)
Água Lisa 3 (Junho 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 4 (Outubro 2005 a Dezembro 2005)
Água Lisa 5 (Dezembro 2005 a Março 2006)