Desta vez, estou completamente de acordo com o Tiago Barbosa Ribeiro. Não faz qualquer sentido impor um filtro administrativo-disciplinar à expressão de ideias e interpretações, por muito estúpidas e repugnantes que elas sejam. E os efeitos são sempre contraproducentes: cria-se um pólo de interdito com poder atractivo; abre-se uma senda de deduções reactivas de equivalências intermináveis e inevitáveis, algumas absolutamente justificáveis e cuja isenção apenas se deve a um défice de escalpe e denúncia, ao abrigo da simplificação pelo enfoque sobre o Mal Maior.
A proibição de “más ideias” ou “ideias erradas”, mesmo sob pretexto de que representam negações de crimes horrendos e colectivos, portanto uma objectiva cumplicidade com os criminosos e as ideologias de suporte, comporta, em si mesmo, uma “ideia perigosa”, a da “superioridade moral” de uma elite de pensamento limpo e com as mãos limpas que ilumina e protege as sociedades. E logo pela via estreita de querer “ganhar na secretaria” o campeonato do debate e da competição prosélita. Tirando o Vaticano e o Islão, que só assim funcionam, não vejo como sociedades abertas e que se querem intelectual e politicamente maduras possam catalogar e castigar o interdito. [Falo, é claro, em termos de difusão de ideias; acção e organização com base em programas para consumar projectos criminosos, isso é outra história.]
Para mais, na Europa, nesta Europa ainda com sangue seco de ignomínias acumuladas, em que o Holocausto é uma vergonha entre vergonhas. E se o Holocausto é a vergonha mais imediatamente repugnante, em que o Mal culpado (o “Mal Castanho”) está perfeitamente identificado, isso deve-se a justas e exaustivas denúncias, “beneficiando” da derrota do nazi-fascismo e da sua incapacidade de reconstrução. Neste sentido, e ainda bem que assim é, a repugnância pelo Holocausto é, hoje, um prolongamento da “lei dos vencedores” herdada do desenlace da II Guerra Mundial. Querer coroar esta aquisição de repugnância colectiva por via da punição do negacionismo é abdicar, desde logo, dos ganhos do efeito da denúncia, malbaratando-os no funil do índex. A não ser os interessados em varrerem esqueletos para baixo do tapete (como os camaradas dos carrascos do Gulag, a grande vergonha silenciada), além dos preguiçosos que preferem a comodidade sonolenta das ideias standard e “moralmente correctas”, ninguém ganha, do ponto de vista intelectual e político, com a institucionalização deste género de interdição. E o combate ao anti-semitismo, uma luta a continuar e sem merecer tréguas, só perde se “beneficiar” de uma protecção de natureza administrativa no desbravar do juízo da história. Pela minha parte, claramente, sacudo esta “ajuda” que nada ajuda.
Imagens (copiadas do TBR): Holocausto e Gulag, duas vergonhas em duas doenças políticas (a primeira com condenação protegida, a segunda encoberta pelo silêncio).
PS (irónico-amistoso): Caro TBR, veja só se um qualquer índex incluísse a proibição de negar que o salazarismo foi um fascismo…
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