
Confesso-me um não agradado, desde sempre, com Coimbra. Ali, o ar citadino pesa-me, o tédio chega-me mais depressa que noutra nossa cidade e desconfio qualquer coisa de canibalesco próprio de uma urbe tão virada para dentro de si que empunha a ameaça de se auto-devorar, engolindo-nos por arrastamento. É um preconceito, claro. Então, que a confissão me sirva de atenuante.
Mas o contraditório vem de, em paralelo com a aversão preconceituosa revelada, os três autores actualmente expostos na blogosfera cujo humor crítico, elaborado e requintado mais aprecio são três “coimbrões”: Rui Bebiano, Marcelo Ribeiro (M.C.R.) e Luís Januário. E de cada vez que, deliciado, os leio, pergunto-me: como é possível?
De carlos freitas a 24 de Abril de 2007
É sempre possível, em Coimbra, não existem sombras e as árvores vivem de pé. A autofagia é coisa que desconhecemos, mais dadas lá para a capital. Autofagia é sempre possível, ainda estamos na fase de nos compreendermos a nós mesmos, para melhor entender o mundo que nos rodeia.
Mas volte sempre, nunca se fique apenas por impressões, mesmo que essas sejam de anos. Coimbra, não tem ar citadino, esse é rarefeito, suba ao monte e veja os moinhos de Mestre Vitorino Nemésio e veja que Coimbra não é uma cidade é um mundo, se o conseguir ver.
Não leia com muita severidade o meu apontamento. Um passante nunca conhece onde está. Gostando ou não, nunca passa além do preconceito. Se eu confessei falar pela voz do preconceito, não tenho direito a perdão? E esse "lá para a capital" não é um preconceito provinciano? Para mais, com destinatário errado que eu ... sou transmontano. A sua visita e comentário foi um prazer.
De carlos freitas a 26 de Abril de 2007
Claro, também só "refilei" e sem carácter severo. Quando me referi à capital, não foi por provincianismo - eu que até sou "alfacinha de gema" nascido em Alfredo da Costa e morador no velho Bairro de Alvalade, antes de ter marchado até à Parede.
Ora, quando me referi à capital do reino e ao termo autofagia pretendi liga-lo a uma certa elite, habitualmente conotada com a capital, a qual deixa entrever os alicerces do curioso edifício de conceitos confusos e preconceitos difusos que é a mentalidade de uma inteligenzia cujo discurso supostamente cosmopolita reduz o país a uma pequenez mais mesquinha e auto cêntrica que a sua capital (onde, em geral residem), de onde nunca se deslocam, a não ser a Nova Iorque.
Nesta minha explicação não o incluo a si, que o leio há muito tempo. Considero-me, se tal me é permitido, filho de boa gente e como tal, vivendo em Coimbra, desde que me conheço como gente, sou hoje gente do mundo e deste mundo onde habito e resolvi terçar armas pela cidade. Talvez não me tenha explicado convenientemente, e por tal peço desculpa, mas perante a bela descoberta que o João Tunes, anunciado ter feito cá em Coimbra, quanto a Rui Bebiano, Luís Januário e ao Marcelo Ribeiro e dos seus mais que excelentes blogs, a cidade merecia, só por isso, só por essa descoberta, uma outra fotografia.
O seu post dizia tudo. Claro está.
Até a fotografia que colocou me fez rir, quando me lembrei das palavras de Ramalho Ortigão, que também não gostava do "ar de Coimbra", e que apelidava os "lentes" como criadores de "uma atmosfera especial de pedanteria , de rigor e de troça", num local - A Universidade - onde se "aspirava vagamente o cheiro dos sapatos (imagine ao que ele se referia!) e das velhas batinas gordurosas".
Era só isso, agora com mais tempo e discernimento. Espero que eu igualmente esteja perdoado.
Um Abraço.
Carlos Freitas
Bom, parece que percebeu, pela foto, que este post era, sobretudo, uma provocação amiga aos três referidos "coimbrões" do bloganço com quem sinto afinidades e lhes admiro a escrita, sobretudo pelo uso do humor (esse mesmo humor que tanto falta a um outro ilustre blogger coimbrão, este um intrépido defensor da cidade e visceral anti-alfacinhas, e que sendo um admirável observador da realidade que muito estimo enquanto tal, não perde a solenidade de "lente", talvez por dar aulas na UC). Assim, os "lentes" saltaram para a imagem por galhofa com 3 e alfinetada num quarto. Como já fizemos as pazes, permita que lhe confesse um episódio que muito me liga a Coimbra (afinal...). Altura houve (talvez 23 anos atrás) em que dispondo-me a dar uma facada no matrimónio com uma apetitosa senhora casada que me achava sexy, dispondo-se esta a partilhar alegrias de cama, propôs que nos encontrassemos algures fora de Lisboa mas na condição de irmos uns dias em "lua-de-mel" para um sítio em que não houvesse alma que conhecesse um e outro e combinando-se lá iríamos ter separadamente. O local saltou-me logo: em Coimbra (era, provavelmente, a única cidade portuguesa onde não corria o risco de encontrarmos alguém conhecido)! E assim foi, cada qual por sua vez e seu meio, lá estivemos dois dias e duas noites enfiados num quarto de um Hotel de Coimbra ao lado da Estação perto do centro. Concluindo: Coimbra não me é tão estranha como aparentei, até já foi cidade de excelente e proveitosa alcova. O problema é fora de alcova e sobre isso peço-lhe que leia a resposta que coloquei ao comentário do Marcelo Ribeiro. Grande abraço (e já vão quatro blogo-"coimbrões" bacanos).
De carlos freitas a 28 de Abril de 2007
Como deixa escrito Coimbra, é um mundo...onde até podemos estar e passar completamente despercebidos. Olhe e para rematar, já que se dispôs a relatar, conto-lhe esta, a última vez que pretendi fazer o mesmo...em Lisboa, saí de casa e para meu espanto no local, onde havia estacionado, estava outro veículo, que não o meu, por sinal até de categoria superior, ainda pensei que a troca tivesse algum carácter benévolo, mas chaves que tinha na mão não serviam naquele. Chegado à conclusão que me haviam roubado o carro, fiquei como imagina! Mas o mais interessante é a parte final, não é que recuperei o carro, ao fim de um par de horas, e num domingo! Coisa verdadeiramente escandalosa! Por essas e por outras é, que agora, quando vou a Lisboa, vou sempre acompanhado!
Um Abraço
De marcelo ribeiro a 24 de Abril de 2007
Meu Caro João
A gente vai ter de conversar sobre isso e eu até já ando a pensar num texto sobre o assunto.
Coimbra foi em meus tempos multipla. E por isso conservo dela alguns agravos e fartas memórias da alegria. E de luta. E de camaradagem frente ao Portugal espesso e inntolerante. A gente há-de conversar sobre isso. eu nem sabia que o Luis
Carlos Januário tinha um blogue mas vou já espreitar. Idem quanto ao rui Bebiano que só há pouco conheci. em Coimbra. E a falar das grandes crises dos anos 60.
Um abraço
Caro Marcelo,
Claro que tenho um "défice" de Coimbra, enquanto, ao contrário, vivi em Lisboa e no Porto. Talvez porque as academias nestas cidades, anos sessenta, fossem mais espalhadas sobre as cidades e mais nelas impregnadas, a capacidade do forasteiro "entrar, beber e sentar-se" fosse mais acessível. Em Coimbra, por razões próprias, a vida académica era mais concentrada e em maior corte com o "mundo futrica". E depois, a pose, os rituais e as praxes, espantavam e intimidavam (por vezes, gerando repugnância) a caça estranha. Mas entendo perfeitamente que, para os de "dentro", o resultado fosse uma ligação e camaradagem muito mais intensas e totais, em que a mistura da luta com os afectos fosse muito mais íntima. Assim, é com fascínio que leio sobre 62 e 69 em Coimbra, sobretudo os depoimentos soberbos recolhidos em livro pela Manuela Cruzeiro e pelo Rui Bebiano. E se falo do meu desencontro com Coimbra, essa é uma forma de vos homenagear (e não há homenagem sem sinceridade). E não se ofendam, por amor de deus e de alá. Grande abraço.
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