É uma ideia adquirida e globalmente correcta que a Igreja Católica não só foi um dos esteios do regime fascista como foi uma sua importante beneficiada, no pressuposto que a existência e prolongamento do Estado Novo eram as melhores formas de domínio monopolista da sua fé religiosa sobre o povo português. Fazer a história do casamento entre a Igreja Católica portuguesa e o fascismo português seria fazer a história do regime de ditadura, tamanha foi a promiscuidade e apoios recíprocos. Mais ainda, sendo necessário percorrer até aos tempos actuais, para percebermos os privilégios de hoje (muitos ainda a beneficiarem do movimento de inércia) e a forma como o catolicismo resiste à “concorrência” e se arroga à relevância de se assumir como “religião do povo português”.
No entanto, uma parte (ínfima) dos católicos, incluindo alguns padres e bispos, opôs-se ao fascismo e ao colonialismo. E, entre estes, uma parte conheceu os punhos repressivos de Salazar e Caetano. Aqueles que puseram o Evangelho à frente da hossana à ditadura, fazem parte da face honrada da Igreja Católica portuguesa, aquela mesma de quem se continua a esperar que abdique dos seus privilégios transitados e peça desculpa ao povo português pela forma como, maioritariamente e por imposição da sua Hierarquia, serviu o fascismo e o colonialismo e deles se serviu. E os católicos que, por coerência de fé, disseram não ao fascismo e ao colonialismo, merecem um lugar na nossa memória da resistência.
Uma lista elaborada por Nuno Teotónio Pereira está inserida num blogue em que nomeia os padres e bispos católicos que combateram o fascismo e o colonialismo em Portugal. A nossa homenagem aqui fica sob a forma de transcrição:
P. Joaquim Alves Correia – Missionário da Congregação do Espírito Santo. Autor de um livro que fez História, “A Largueza do Reino de Deus”, foi mandado para os Estados Unidos em 1946, onde veio a falecer em 1951.
P. César Teixeira da Fonte – Sacerdote madeirense, expulso da sua terra por ter apoiado manifestações de protesto de camponeses explorados. Veio residir para o Continente e foi um dos signatários dos abaixo-assinados promovidos por Francisco Lino Neto em 1959, na sequência da campanha eleitoral de Humberto Delgado.
P. Manuel Rocha – originário dos Açores, foi companheiro de Abel Varzim em Lovaina, onde se doutorou na década de 40, regressando depois a Portugal como assistente da Acção Católica Operária. Acusado pelo governo de fomentar a revolta, foi mandado pelo Cardeal Cerejeira para Ludlow, Mass, como pastor de uma importante colónia açoreana.
P. Abel Varzim – Após a ordenação, ofereceu-se voluntariamente para a diocese de Beja, tendo depois seguido para Lovaina, onde se doutorou. Regressado a Portugal, foi nomeado assistente geral da Juventude Operária, acumulando com a direcção do Instituto do Serviço Social e outros cargos da Igreja. Deputado à Assembleia Nacional pela União Nacional, foi aí autor de um aviso prévio sobre os sindicatos que indispôs o regime. Fundador do jornal “O Trabalhador”, conseguiu manter durante anos a sua publicação, apesar dos cortes da censura, a qual acabou por proibir o jornal. Afastado, por pressão do governo, de todos os cargos, foi nomeado pároco da freguesia da Encarnação, em Lisboa, desenvolvendo aí a sua acção pastoral. Finalmente é destituído pelo Cardeal Cerejeira também desse cargo, regressando a Cristelo, sua aldeia natal, onde, até morrer, desenvolve notável acção social. Primeiro signatário, que lhe coube por ordem alfabética, dos manifestos de 1959 referidos acima.
P. Adriano Botelho – Pároco de Alcântara, freguesia marcadamente operária, o seu trabalho suscita críticas do governo, o que leva a que Cerejeira o destitua e mande para a Argentina, numa cidade da Patagónia. Regressado passados alguns anos, é nomeado pároco de S. João de Brito, em Alvalade, onde colabora com movimentos da oposição católica ao regime. Signatário também dos documentos de 1959.
P. João Perestrelo de Vasconcelos – Ainda jovem, é nomeado Capelão do Arsenal do Alfeite, onde seu pai era administrador. Oriundo de família da alta burguesia, ali assume os problemas da classe operária. Também subscritor dos documentos de 59, facilita a Manuel Serra, João Gomes e outros dirigentes da Acção Católica Operária, a utilização da Sede da Associação dos Marinheiros Católicos nos claustros da Sé de Lisboa, onde foi preparada a chamada revolta da Sé, em 1959. Demitido de seu cargo no Arsenal, foi depois para o Brasil.
P. António Jorge Martins – Ainda jovem, foi colocado no Seminário de Almada, mantendo contactos cada vez mais apertados com meios católicos da oposição à ditadura, tendo sido co-fundador da publicação clandestina “Direito à Informação”, iniciada em 1963. Caiu assim nas suspeitas do regime, pelo que Cerejeira o mandou estudar para Estrasburgo, onde refez a sua vida, tornando-se um elemento importante da comunidade portuguesa. Foi também signatário dos documentos de 1959 e de outros posteriores.
P. José da Costa Pio – Coadjutor da freguesia de Arroios, em Lisboa, tendo sido demitido e perseguido. Igualmente signatário dos abaixo-assinados de 1959.
P. José Narino de Campos – pároco em Évora, foi acusado de inimigo da Pátria e da Igreja, exilando-se no Brasil.
P. José Maria da Cruz Dinis – da diocese de Coimbra, conheceu a prisão pela Pide.
P. Joaquim Pinto de Andrade – irmão do dirigente do MPLA Mário de Andrade, foi preso em Luanda pela primeira vez em 1960, quando Vigário Geral da Diocese. Deportado para Lisboa, é transferido para a Ilha do Príncipe. Libertado com residência fixa em 1961, é preso sucessivamente mais 4 vezes pela Pide, julgado e condenado, cumprindo pena no forte de Peniche. Presidente honorário do MPLA durante esses anos, vive hoje em Luanda, muito doente.
P. Franklin da Costa – Professor do seminário de Luanda, foi preso em Portugal pela Pide em 1960, tendo sido obrigado a residência fixa em Lisboa. Depois do 25 de Abril regressou a Angola, tendo sido nomeado Arcebispo de Lubango.
P. Alexandre Nascimento – Preso em Luanda a seguir aos acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961, foi deportado para Lisboa com residência fixa. Regressado a Angola em 1974, foi mais tarde nomeado arcebispo de Luanda.
P. Manuel Joaquim das Neves – Vigário Geral de Luanda, acusado de preparar o assalto à prisão da Pide em 4 de Fevereiro, é preso e deportado, com residência fixa em Braga, onde veio a falecer.
Padres Vicente Rafael, Domingos, Alfredo Gaspar, Martinho Samba e Lino Guimarães – presos em Luanda a seguir ao 4 de Fevereiro, são deportados para Portugal com residência fixa, sendo alguns anos depois autorizados a regressar.
P. Mário de Oliveira – Considerado incómodo pelo trabalho que desenvolvia junto dos jovens, foi designado para capelão militar em 1967, tendo sido colocado no teatro de guerra da Guiné. Após alguns meses foi expulso por indesejável, tendo sido nomeado pároco em Macieira de Lixa, onde desenvolveu uma acção pastoral que lhe valeu ser preso duas vezes pela Pide. É hoje animador duma comunidade cristã na região do Porto e director do jornal “Fraternizar”.
P. José da Felicidade Alves – Professor no seminário dos Olivais, foi nomeado pároco de Belém, onde começou a questionar a guerra colonial nas homilias de domingo. Cedendo às pressões do governo, é mandado pelo Cardeal Cerejeira estudar para Paris, onde vive o Maio de 68. Regressado a Lisboa, funda os Cadernos GEDOC em 1969, “Grupo de Estudos e Documentação”, editados sem a necessária autorização, pelo que são considerados ilegais pela Pide, que instaura um processo aos responsáveis. Depois de casado, foi reduzido ao estado laical e mais tarde readmitido, antes de falecer.
Padres Joaquim Teles Sampaio e Fernando Marques Mendes – conhecidos por Padres do Macúti, paróquia de que eram responsáveis na diocese da Beira, em Moçambique, também denunciaram os massacres cometidos pelas tropas portuguesas em Moçambique, juntamente com missionários estrangeiros. Foram por isso presos pela Pide.
Padres João Dekker e Adriano (holandeses) – Trata-se de dois padres da Congregação dos Sagrados Corações, que trabalhavam na freguesia do Couço (Ribatejo), povoação que ficou conhecida pela resistência dos camponeses à ditadura e cuja população foi objecto de terríveis perseguições. Em 1970 foram presos pela Pide e levados até à fronteira do Caia.
P. Bartolomeu Recker – também holandês e da mesma congregação, foi obrigado a sair do país.
P. Ismael Nabais Gonçalves – Pároco de Igreja Nova, em Mafra, foi preso no final de 1973, no processo que levou a Caxias muitos activistas católicos.
(…)
A lista é por ordem cronológica dos acontecimentos e contempla apenas os padres que foram objecto de repressão. Não estão entretanto incluídos os missionários estrangeiros em Moçambique que também denunciaram os massacres, como sucedeu com os Padres Brancos e os Padres de Burgos, vários deles expulsos da colónia.
Não inclui por isso padres portugueses que lutaram contra a ditadura, por diversos meios, mas que não chegaram a ser presos ou sancionados pelos superiores. Estão neste caso, por exemplo, várias dominicanos, como frei Bento Domingues e outros, e ainda os padres António Correia e Carlos Póvoa, párocos de Palmela e de Alhos Vedros, que participaram em diversas formas de luta, especialmente no domínio da informação. E o P. Alberto Neto, responsável pela Capela do Rato. E também o P. Telmo Ferraz, capelão da barragem do Picote, que publicou “O Lodo e as Estrelas”.
Também não estão na lista bispos, por serem mais conhecidos os seus casos. Entre eles, o mais destacado é António Ferreira Gomes, bispo do Porto, sendo de nomear também Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira, e Manuel Vieira Pinto, de Nampula, expulso de Moçambique pouco antes do 25 de Abril. E ainda Altino Ribeiro de Santana, bispo em Angola.
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