Que me desculpe o Lutz, mas fiquei com sérias dúvidas sobre a forma como caracteriza a “obra RDA”:
“Os que construiram devotamente o modelo mais evoluído do comunismo [a RDA], foram sempre uma minoria, e porventura os sobreviventes duma luta dedicada e com grandes sacrifícios contra o nacional-socialismo.”
No final da guerra, o DKP (Partido Comunista Alemão) estava destruído (ainda hoje é uma quinquilharia alimentada por um pequeníssima seita de fanáticos) e o comunismo erradicado da Alemanha. Uma parte da militância comunista na Alemanha (muitos militantes, vários milhões de eleitores nas eleições ganhas por Hitler) foi aniquilada por Hitler, outra (a grande maioria) reciclou-se no “nacional-socialismo”, uma terceira (uma ínfima minoria) emigrou para a URSS e sofreu uma violenta purga aniquiladora de Estaline. Sobraram meia dúzia de quadros conservados por Estaline, fanatizados ao seu culto, a que se podia juntar um insignificante núcleo que se conservara clandestino, mas disperso e inoperante, na Alemanha hitleriana.
A RDA foi, sobretudo, obra da ocupação do Exército Vermelho e do posicionamento de forças no início da “guerra fria” (como a RFA foi a sua dimensão simétrica, a “ocidental”). Assim, sempre foi um Estado artificial e meramente do género geoestratégico e conjuntural. Porque RFA e RDA sempre foram Estados em espera de reunificação.
Enclausurados na “zona de ocupação soviética”, os alemães que não conseguiram passar para as outras zonas, com o país destruído (e a ser posteriormente saqueado para as “reparações de guerra”), com a “culpa do nazismo” agarrada ao corpo por serem apoiantes de véspera do fanatismo irredentista hitleriano, incorporando uns milhões de patrícios expulsos da Checoslováquia, Hungria e Polónia, o que podiam fazer? Melhor, o que podiam escolher? À maioria desses alemães, os que sobreviveram à “desnazificação”, não restava alternativa que a de seguirem e obedecerem ao novo poder instalado - um misto de poder militar soviético e uma nomenklatura constituída à base de quadros exilados na URSS e sobreviventes das purgas estalinistas e rapidamente reproduzida através do desespero e do arrivismo. O que essa clique dirigente teve arte foi de permitir, sob controlo militar soviético, uma transferência de redenção e superação (por instinto de sobrevivência) da adesão fanática e passada ao “nacional-socialismo” para o culto da RDA (construída por muitos quadros que haviam pertencido ao Partido Nazi e sobreviventes do “processo de desnazificação” e que não só foi breve como selectivo). E, reprimida a revolta de Berlim-Leste em 1953 e construído o “muro”, a formatação da RDA passou a ser obra essencial do pelouro da Stasi. Ou seja, mais que obra de partido-guia, um assunto de polícia.
Foi a RDA “o modelo mais evoluído do comunismo”? Por um lado, sim, pelo processo de transferência de fanatismos (nem sequer o “passo de ganso” foi abolido do “Exército do Povo”). Por outro, na RDA, principalmente em Berlim-Leste, não só se era a “montra” do “bloco socialista” como era a primeira linha do confronto (militar mas também cultural, de usos e costumes) na “guerra fria”. Claro que se pode falar também de desporto e feitos olímpicos, mas então teremos de falar de “dopping” e de engenharia eugénico-desportiva. Falemos de mais se aprouver, mas não vejo como e onde vamos encontrar “os sobreviventes duma luta dedicada e com grandes sacrifícios contra o nacional-socialismo”. Se faz favor, diga-me quantos e quais.
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