Em vez de perorar sobre o “concurso” televisivo de ontem, e o tema já está estafado e assim deve continuar, prefiro, com mil vénias, coser uma série de posts do Pedro Correia:
Não sei o que querem dizer aqueles que afirmam que o fenómeno Grandes Portugueses é “só” um programa de televisão. Estão a enganar-se a si próprios ou a mais alguém? Quem é esta gente que se entretém com qualquer escabrosos Reality Shows à semana, e ao Domingo aprova a liberalização do aborto? São os mesmos que depois votam Oliveira Salazar o “melhor português de sempre” por SMS ou na Internet?
Vivemos definitivamente num país modernaço, sem xailes ou coletes, mas com perfume caro e unhas de gel… onde se usam gravatas de marca e telemóveis da terceira geração. Mas perigosamente inculto e esquizofrénico.
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Aristides de Sousa-Mendes, terceiro classificado (com 13%) nos Grandes Portugueses, repartiu o pódio com Salazar e Cunhal. José Miguel Júdice, que o defendeu com brilhantismo, pode recandidatar-se a bastonário dos advogados. Eis um sinal de que a reeleição é certa.
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Passado, em Portugal, só o bife. Os que de facto mereciam ganhar o polémico concurso da RTP foram ultrapassados pelos representantes do século XX português - um dos piores da nossa História, como bem assinalou Paulo Portas, defensor de D. João II. O Príncipe Perfeito ficou em sexto lugar, só com 3% dos cerca de 260 mil votos recebidos. Ainda assim melhor do que o Infante D. Henrique (2,7%), o Marquês de Pombal (1,7%) e Vasco da Gama (0,7%).
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Feminista de serviço, Maria Elisa lamentou várias vezes não ter havido nenhuma mulher entre os dez finalistas. "Em Inglaterra, ao menos, esteve a Princesa Diana", lembrou. "Mais valia não ter estado", contrariou-a o escritor Helder Macedo, defensor de Camões (5%, quinta posição). Foi o momento mais sexualmente incorrecto da noite.
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Salazar perseguiu e torturou, por vezes até à morte, os seus opositores. Nesta sessão final dos Grandes Portugueses ficou claro que o mesmo fizeram D. João II e o Marquês de Pombal - já para não falar em D. Afonso Henriques, que começou por espadeirar contra a própria mãe. Fica-se com a sensação de que vários destes "grandes portugueses" eram afinal gente pouco recomendável.
Por mim, tal como a Clara Ferreira Alves, teria votado em Fernando Pessoa (oitavo classificado, 2,4%). Um homem que nunca conheceu ninguém "que tivesse levado porrada". E além disso não era bêbado nem homossexual, como garantiu uma sua sobrinha, presente na assistência.
Também teria votado de bom grado em D. Afonso Henriques (quarto lugar, 12,4%), que a Leonor Pinhão quis transformar em herói progressista avant la lettre. Mas, aqui para nós, ainda bem que não ganhou: só o facto de ter morto todos aqueles mouros seria motivo mais do que suficiente para Portugal sofrer um atentado da Al-Qaeda. Safa!
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Mal foram conhecidos os resultados do concurso da RTP, logo algumas aves agoirentas desataram a soltar a língua contra o actual regime democrático, que não permite ao bom povo as condições de vida existentes na Escandinávia: isto basta, garantem, para justificar a nostalgia por Salazar. "Há famílias que voltaram a cozinhar com fogareiros a petróleo, por não terem dinheiro para pagar o gás", alertou Fernando Dacosta. Está explicado por que motivo Salazar e Cunhal têm tantos admiradores. E eu a pensar que, apesar de tudo, em Portugal nunca se tinha vivido tão bem como agora...
"A democracia é o pior dos sistemas, exceptuando todos os outros", dizia Churchill, democrata de gema e vencedor incontestado deste concurso na Grã-Bretanha. Segundo Odete Santos, ele era afinal um grande malandro que andava a trocar correspondência às escondidas com Mussolini. Nunca vi nenhuma dessas cartas. Sei, isso sim, que Churchill escrevia imenso a Salazar e depois da guerra visitou várias vezes a ilha da Madeira. Odete tem razão: isto anda tudo ligado. O neoliberalismo e tal, fascismo nunca mais, ianques fora do Vietname, já. Vocês sabem do que é que eu estou a falar. Ah, esta última frase não era ela que dizia - era o Octávio Machado, outro grande português, apesar de baixa estatura. Não importa: parabéns à RTP mesmo assim. Para o ano há mais. Ou para o século que vem.
E agora com licença, que vou ali cozinhar com fogareiro a petróleo. Rapidamente e em força, como dizia o velho senhor das botas.
Quase tudo dito, para quê acartar mais cera para tão ruins defuntos?
Imagem: Um “pide” preso por militares imediatamente após 25 de Abril.
[Se o senhor ainda vive e vota, terá votado em quem?]
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