[Nogueira Pinto dizia ontem na televisão, procurando encontrar um “legado” de Salazar, que este, com as prolongadas guerras coloniais, havia contribuído para a unificação e estruturação dos povos coloniais através das suas experiências guerrilheiras. Pode acrescentar este: graças a Salazar, entrámos em democracia pela porta da revolução. É isso, o PREC deve-lhe muito.]
O principal significado do Dia do Estudante de 1962 e da crise académica que lhe sucedeu, esteve no rompimento declarado e irreversível de Salazar e do fascismo português com as elites. Daí para a frente, pese embora um número significativo de estudantes universitários ter preservado a sua carreira e extremar-se um punhado de aguerridos “nacionalistas”, Salazar e o regime nunca mais contaram com a Universidade como uma fábrica dócil de quadros. Pelo contrário, com fluxos e refluxos (os "picos altos" de mobilização e politização foram 1962 em Lisboa e 1969 em Coimbra, mas mesmo nos refluxos a contestação nunca desapareceu), a agitação estudantil manter-se-ia e iria até agudizar-se nos últimos anos do mando marcelista. Ou seja, a partir de 1962, mais que um fornecedor de quadros qualificados para uma sociedade incompatibilizada com as baias caducas do sistema sócio-económico, a Universidade passou a ser um importante centro de tirocínio de quadros politizados apostados na substituição radical do regime. Dito de outro modo, gerador de uma elite para o combate, mais ou menos empenhado, contra o regime e, ainda mais importante, uma elite alternativa para a regeneração democrática. Tanto assim foi que, na geração política que esteve activa após o 25 de Abril e agora está em banho de veterania ou em vias de reformar-se, encontramos grande parte dos “filhos das crises académicas de 1962 e seguintes” (*).
A resposta de Salazar à crise estudantil de 62, não foi uma sapatada unida da base de apoio do regime. Antes, foi uma brutal reacção radical de Salazar e dos ultras à crise aberta na sua fábrica de elites. E, sintomaticamente, encontramos Marcello Caetano “no outro lado”, a ser humilhado e ultrapassado pela dinâmica da repressão cega. Este factor terá tido um contributo decisivo para impossibilitar, depois, uma “transição pacífica” do regime quando, Salazar afastado, Caetano voltou a ser condicionado pelos ultras que o manietaram na tentativa tímida de “abrir o regime” e, da parte da oposição, contar com poucas mãos estendidas (a “ala liberal” foi um mero amontoado de meia dúzia com 80% de corporativismo e 20% de espírito democrático, e Soares rapidamente entendeu que a CEUD não tinha espaço nem do lado do regime nem da radicalidade da oposição). Assim, de certa forma, ao ordenar a cega e brutal repressão aos estudantes mobilizados em 1962, Salazar impôs a Revolução que, por acaso de circunstâncias, ocorreu em Abril de 1974. E, neste aspecto, Salazar conseguiu que, por obra sua, liberdades, democracia e partidos, nunca sairiam do fascismo a que ele deu cunho pessoal e tornou irreformável. Ou ele ou a revolução, cumprindo-se-lhe o pensamento, o desejo e a herança.
A “crise de
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(**) Quanto à influência e organização das lutas estudantis pelo PCP (quase exclusiva até 68) é uma evidência. Muitos quadros estudantis destacados eram membros do PCP e muitos outros foram ali recrutados. Mas há uma tragédia, pouco e mal contada (e que merecia investigação), muito pouco abonatória para a segurança conspirativa da organização, associada a este facto: a infiltração genial da PIDE de Nuno Álvares Pereira no posto máximo do comando da organização dos estudantes comunistas em Lisboa e que levou (em 1964, 65) à prisão de todos os estudantes comunistas filiados que actuavam na legalidade, enquanto a PIDE, dando-lhe uma falsa identidade, colocou Nuno Álvares Pereira no Brasil. Ainda hoje persiste esta dúvida legítima: como foi possível a PIDE infiltrar no topo da organização estudantil comunista, como controleiro dos estudantes comunistas de Lisboa, um seu agente, passando todas as malhas do controlo conspiratório e, conseguindo vencer as clássicas barreiras da regra da "compartimentação", conhecendo os dados de todos os filiados no PCP e, com uma "limpeza", permitir à PIDE prender todos os estudantes comunistas filiados em Lisboa?
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[Um esclarecimento: Supõe o estimado M.C.R. que eu sou da sua geração de luta estudantil, a de 62. Na altura, eu ainda andava no secundário, pelo que acompanhei a “crise de
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