Numa governação convincente, em que todos os indicadores lhe são favoráveis quanto ao lançar da Espanha no progresso e na modernidade, Zapatero sofre de mal no calcanhar (malvado tendão de Aquiles) por causa da “questão basca”. Parecendo que a ETA e os demais nacionalistas bascos se prestaram a esse lastimável papel de darem ao PP e a Rojoy trunfos e um protagonismo oposicionista que, de outra forma, dificilmente alcançariam. O certo é que Zapatero não só lida mal, muito mal, com a “questão basca”, como, dessa forma, constantemente dá oportunidades de afirmação oportunista ao PP e à ETA mais seus apoiantes disfarçados.
O atentado de Barajas desfez a estratégia optimista de Zapatero relativamente aos bascos e à ETA. E meteu a nu as suas debilidades enquanto chefe de governo. Quando a ETA lhe mordeu a mão de político apaziguador, Zapatero demonstrou que lhe falta, além da sua comprovada dimensão política, cultural e de homem de modernidade, a dureza de punho necessária para lidar com políticos assassinos, separando as águas entre a lide com democratas e o confronto com fanáticos. O PP e Rojoy aproveitaram magistralmente a oportunidade, num vergonhoso oportunismo em que demonstram que, para eles, uma vitória eleitoral vale mais que a Espanha, mobilizando a velha Espanha saudosista da mão férrea, tentando o retorno da cobrança eleitoral que apeou Aznar quando usou a ETA como mentira nos atentados do 11M. Quanto à ETA, metida a bomba em Barajas, cedeu o palco à Batasuna (os etarras disfarçados de políticos) e aos nacionalistas mercantis do PNV, enquanto mandava um dos seus mais odiosos assassinos aprisionados conseguir um sucesso jurídico-humanitário por via de uma dieta rigorosa, obrigando Zapatero a um novo dobrar de joelhos.
Certo é que a ETA parou nas bombas e nos tiros, vivendo agora dos rendimentos da feroz e persistente campanha do PP e da velha Espanha e dos trunfos políticos a jogar pelo Batasuna. Dando, para mais, a ilusão de que Barajas foi um episódio acidental no processo político e de tréguas.
É uma lástima que o excelente governo de Zapatero se tenha deixado aprisionar nesta complexa e sofisticada teia política ETA/PP/PNV, até parecendo combinados, embora cada qual a representar o seu papel de simetria nas aparências dicotómicas que se prendem com a “questão basca”. Mas, em política, o que é, é.
O grande feito da ETA/Batasuna, demonstrando capacidade de imaginação e iniciativa política, foi a proposta de transição autonómica e como substituta aparente da exigência radical da independência imediata. Claro que a proposta está envenenada e é pelo veneno metido que a proposta do Batasuna tem de ser lida. Ao proporem uma “região basca” (Euskal Herria, chamam-lhe eles) que inclua Navarra e as províncias bascas francesas (ver mapa), a ETA/Batasuna sabe que está a avançar com o engodo de uma impossibilidade. Nem os navarros, ou grande parte deles, se consideram bascos (como o demonstraram em manifestação, foto de baixo e ver post certeiro do Daniel), nem a França se dispõe a abrir uma “questão basca” a sul. E para uma eventual consulta referendária, caso houvesse entendimento sobre a dimensão territorial da consulta, sobre a vontade dos bascos, a ETA/Batasuna tem um veneno guardado como reserva: a decisão sobre quem pode votar (a ETA/Batasuna defendem uma linha racista de que só os bascos por raça podem votar, devendo tal ser vedado aos espanhóis de outras regiões que através de várias gerações nasceram e vivem nas províncias bascas). Assim, politicamente, os bandoleiros do nacionalismo basco entre as bombas e os tiros, vão lançando armadilhas políticas sem solução e que prolongam o impasse até à próxima bomba e ao próximo tiro.
E o que faz o PNV, o partido conservador, de raiz clerical, associado à próspera burguesia basca e que comanda o governo regional? Governa-se em vez de governar e ajudar a uma saída política para a “questão basca”. Pisca um olho ao PSOE e a Zapatero para lhe comer, bem, muito bem, à mesa do Orçamento. Pisca o outro olho à pressão dos assassinos da ETA e do Batasuna. Uma estratégia de puro mercantilismo político. Que, diga-se, agrada à maioria dos bascos (e que explica as sucessivas vitórias do PNV). Para quem tem costume de visitar Espanha, constata com toda a facilidade que onde lá se vive melhor, com melhor qualidade de vida, é precisamente nas duas regiões onde se faz chantagem autonomista e nacionalista sobre Madrid (País Basco e Catalunha), sabendo eles perfeitamente que, independentes, sem a Espanha e sem mamarem na teta de Madrid, desceriam uns bons degraus nos seus níveis de prosperidade.
Apertado entre a pressão autoritária do PP, as bombas da ETA e o maquiavelismo do PNV, com a situação política a descambar permanentemente para impulsos oportunistas ou para impasses e impossibilidades, como vai Zapatero descalçar a bota que lhe aleija o calcanhar? Hoje, a sua imagem é de desgaste e desorientação. Talvez amanhã nos surpreenda. De uma surpresa agradável da parte de Zapatero, um revelar não previsível de uma sua estatura política guardada como reserva, depende muito do bom futuro de Espanha. Desejo isso. Tanto mais que nada nos convém termos aqui ao lado um vizinho calmeirão à zaragata nos seus condomínios.
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