Quarta-feira, 14 de Março de 2007

AINDA O FASCISMO E O SALAZARISMO (3)

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Tiago Barbosa Ribeiro insistiu e desenvolveu a sua tese, no que é acompanhado há largo tempo por uma corrente académica do “revisionismo histórico-sociológico”, afincada no purismo quanto aos requisitos da “qualidade de fascismo”, sobre o “erro” de qualificar o “salazarismo” como um “fascismo”. A sua reinvestida constitui um texto interessante mas mostra, também, as fragilidades da espiral revisionista. Pois que agora, até já o fascismo italiano (o modelo fascista mais copiado com Salazar) não seria um verdadeiro “totalitarismo” (qualidades reservadas ao nazismo e ao estalinismo). E, de degrau em degrau, na perda da “qualidade fascista”, o salazarismo ficaria nas águas turvas de uma mistura de “nacionalismo antiliberal, autoritarismo antidemocrático e corporativismo antisocialista”.

 

O post de TBR recolheu um comentário interessante e arguto de José Manuel Correia de que passamos a transcrever o que nos parece essencial (deixámos de parte o que nos pareceram picardias para “aquecer” a polémica):

 

“A polémica é recorrente, ressurgindo ao mínimo pretexto. Desta vez, o pretexto foi o museu que querem dedicar ao Salazar e a estúpida embirração dos comunistas com a iniciativa. Passado este tempo, os comunistas ainda não aceitam que um regime que teve tantos seguidores possa ter ainda alguns saudosistas convictos e desperte a curiosidade de alguns palermas; a sua concepção de liberdade não chega a tanto, à liberdade do outro. Detentores de uma ideologia totalitária, os comunistas apenas concebem a liberdade de segui-la, não toleram o pensamento plural, tampouco o adverso. Estas suas reacções não denotam qualquer receio fundado de que o tal museu possa vir a constituir um embrião para o ressurgimento de um qualquer neo-salazarismo, porque o genuíno jaz morto e enterrado e não deixou seguidores suficientes. Também para eles, é apenas pretexto para relembrarem e desfiarem o seu longo martirológio.”

”O mais “interessante” de tudo isto não é a reacção dos comunistas ao saudosismo salazarista. O mais “interessante” é o revisionismo histórico, que se aproveita dos mesmos pretextos dos comunistas, por sua vez, para negar a existência do fascismo salazarista. Para os revisionistas, anticomunistas assumidos, o fascismo não existiu por cá. Ditadura Militar, Estado Novo e Estado Social são meras alterações formais de um mesmo tipo de regime reaccionário, nacionalista e autoritário. (…)”


”O fascismo salazarista? Isso não se enquadra nos estereótipos, no tipo-ideal webberiano, onde só cabem o tipo precursor e, quanto muito, os derivados caricaturalmente corrigidos (os tais “mais papistas do que o papa”), não os derivados adaptados e eventualmente atenuados; isso não vem nos livros de análise histórica ou sociológica, para mais porque havia uns movimentos de jovens arruaceiros violentos, esses sim, correspondendo ao tipo-ideal, que foram proibidos (ainda que a maioria dos seus quadros tenha sido integrada); isso é menorizar o Chefe Salazar, o ideólogo de pensamento estruturado, o táctico sagaz e o político frio e calculista, que soube realizar a integração das direitas, querendo compará-lo com os Chefes demagogos, loucos e violentos do tipo-ideal; isso é confundir a matriz maurassiana do salazarismo, intrinsecamente reaccionária à modernidade, com a amálgama pseudo-modernizadora-socialista de reacção ao bolchevismo do tipo-ideal; isso é confundir um regime de elites, de quadros técnicos, de caciques locais e dos pobres deles dependentes, erigido num país rural, de incipiente industrialização e com um movimento operário pouco concentrado e pouco susceptível ao bolchevismo, com movimentos e regimes de direcção pequeno-burguesa e de grande base operária desempregada, nascidos no pós-guerra em países industrializados do tipo-ideal, nos quais o bolchevismo era uma forte realidade; isso, no fundo, é retórica da “língua de pau” dos comunistas, que nada tem a ver com a realidade do nacionalismo autoritário salazarista.”

”Para os revisionistas, a distância do tempo e a democracia em que vivemos exigiriam outra qualificação para o regime salazarista, e os estudos históricos e sociológicos não permitiriam enquadrá-lo no grupo dos regimes fascistas. A qualificação do salazarismo como variante do fascismo seria abusiva, uma pura falta de rigor designativo, usado à época pelos comunistas como mero instrumento ideológico para arregimentação de apaniguados e de aliados na sua luta contra a democracia representativa e o capitalismo. Apesar de não ser nova, a preocupação não deixa de ser assaz estranha, porque toda a gente minimamente informada nunca pretendeu qualificar o fascismo salazarista como modelo do fascismo mussoliniano, mas como sua variante particular, adaptada às necessidades da burguesia portuguesa para a sua unificação e confronto com os operários e os trabalhadores portugueses, segundo a perspectiva de um ideólogo informado, que veio a comprovar ser para a burguesia portuguesa o político certo na hora certa, e por isso foi adoptado como Chefe.”

”Parece por demais evidente que os revisionistas pretendem usar o pretenso rigor histórico e sociológico de que se mostram arautos como mero instrumento ideológico de combate aos comunistas. É totalmente desnecessário, porque os comunistas não se arrogam terem sido os únicos antifascistas. Do que eles se arrogam é terem sido os lutadores mais consequentes e, por isso, os heróis da luta antifascista. Não foram uma coisa nem outra, porque os comunistas, por vários e longos períodos, não foram verdadeiros lutadores pela liberdade e pela democracia, os objectivos da luta antifascista, mas revolucionários anticapitalistas e antidemocráticos. Os comunistas, tampouco foram verdadeiros lutadores pelos interesses imediatos dos operários e dos trabalhadores, porque estes apenas os interessavam como massas de insurrectos revolucionários. O único pecúlio dos comunistas é terem sido mártires da sonhada revolução comunista, por na qualidade de membros de uma pequena seita conspirativa revolucionária, ao serviço duma potência estrangeira, terem sido tomados como alvo preferencial da repressão do fascismo salazarista. Esse pecúlio nenhum revisionismo lhes conseguirá retirar, mas o rigor revisionista poderia situá-lo nos seus verdadeiros contornos. Parece, contudo, não ser isso que o revisionismo persegue. Por enquanto, o pretenso rigor revisionista pretende chegar apenas à designação atribuída ao regime salazarista. Veremos se o interesse revanchista não o fará, mais tarde, descambar para o próprio conteúdo do regime, que não terá passado de uma ditadura pessoal, apenas prolongada. Veremos…”

”Felizmente, os comunistas não tiveram êxito na sua luta contra o fascismo salazarista do Estado Novo na sua longa existência; infelizmente, a oposição democrática também não. Isso mostra três evidências: por um lado, a capacidade ideológica e política do fascismo salazarista para erigir e manter um regime por mais de trinta e cinco anos, adaptando-se às transformações geopolíticas ocorridas após a segunda guerra mundial; por outro, a fragilidade das oposições para organizarem a luta sistemática pela liberdade e pela democracia; e, não menos grave, o fraco apreço deste povo pela liberdade. “

 

O essencial do nosso ponto de vista como contributo para esta polémica, já o escrevemos aqui. Mas acrescento que concordo com JMC quando ele diz que não é necessário, se a intenção é essa, retirar a qualidade de “fascismo” (impuro, como qualquer qualidade política transformada em acção de Estado) ao salazarismo para que se demonstre a impropriedade de os comunistas se afirmarem como antifascistas. Ou, pelo menos, como “antifascistas integrais”. Eles não lutaram contra o fascismo na defesa daquilo que o fascismo mais negava (as liberdades, a democracia, o parlamentarismo, a república, os direitos humanos, o liberalismo económico) mas sim pela sua substituição pela revolução marxista, pela ditadura do proletariado, por um outro totalitarismo a evoluir de um Estado de Partido Único para um Estado Policial. Como o têm feito, continuando a fazê-lo, em pleno regime democrático e em que o PS tomou o lugar de “inimigo nº 1” antes ocupado por Salazar e Caetano. Como quiseram demonstrar, na romagem da URAP a Santa Comba Dão, que amam tanto a liberdade e o pluralismo como os seus velhos saudosos adversários dos velhos tempos da útil dicotomia (aquela em que todo o opositor era identificado, pelo regime fascista, como comunista; todo o não comunista ou anticomunista, se não fosse seu instrumental "companheiro de jornada", era, para o PCP, um fascista ou para lá a caminhar).

Publicado por João Tunes às 13:21
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